segunda-feira, 23 de março de 2009

Desiguais azuis.



O dicionário apresenta sem luz ou cenário, a definição de obsessão: sf (lat obsessione) 1 Ato ou efeito de importunar ou vexar. 2 Impertinência excessiva. 3 Preocupação constante; idéia fixa. 4 Med Perturbação causada por uma idéia fixa que leva o doente à execução de determinado ato.
As manhãs são obsessões, principalmente para os práticos, aqueles que são a tradução da vida nos casos, os acasos deixamos para os restos das manhãs. Voltemos a Gregor Samsa, que ao acordar, naquela análoga manhã, viu-se, metaforseando em um inseto. A obsessão de Samsa foi suportar aquele momento, estarrecido em sua cama. Uma manhã mais atenta seria um delito contra o contentamento melancólico dos pingos de chuva a baterem na calha da janela. Não que Samsa não pudesse apenas pensar, mas lembrar era tudo o que precisava, manhãs são colírios e martírios.
O que é mais obsessivo que estar deitado e olhar o teto e no mesmo teto – azul, branco, ou qualquer colorido misturado, ver personagens, que não usam celular para convidar seus amigos para ir a um bar, na sexta à tarde, o ainda, não sabem o qual vantajoso é assistir um programa televisivo na noite de domingo. Quando o personagem acorda e vê do outro lado da condição, uma voz que ecoa mais forte é outro personagem que surge, este usa celular, mas depois da primeira vez que esteve ali, apenas na distração do amor que escorregou naquele dia em que a conheceu. Tantas vezes ele pensou em jogar o celular pela janela – seguiria o conselho do personagem que não usa celular, e acha todo o mundo igual. Está certo, uma parcela dele, parcela tudo, inclusive a tristeza de querer atender ao telefone, mas o telefone insiste em não tocar, deixando, aquele final de quinta, interessante para o que os outros vão pensar.
Nenhum dos personagens usa chapéu – pensou. Usar chapéu é tão démodé dentro do modismo de quem enfrenta o caos da cidade todos os dias enjaulados dentro de um ônibus lotado – de pessoas, caprichos, rostos que não mostram somente rostos.
Viajar, dia sim, dia não. É um trabalho muito mais irritante do que o trabalho do escritório propriamente dito, e ainda por cima há mais desconforto de andar sempre a viajar, preocupado com as lições dos trens, com a cama e com as refeições irregulares, com conhecimentos casuais, que são sempre novos e nunca se tornam amigos íntimos.
O personagem desconfiado está com a visão que vê do outro, que sentado, não vê os programas de domingo, nem atende o celular – o jogou fora, antes, tirou a bateria para depositar no coletor de lixo especial. No teto tem um inseto, não homérico, nem vistoso como o metamorfoseado por Samsa.
Obsessão é virar o rosto sempre para o travesseiro, sem esconder a vontade de ver o mesmo teto - azul, branco, ou qualquer colorido misturado. Obsessivas são as manhãs que chegam sempre para negar a continuidade das cenas que estão ali, narradas acima das nossas cabeças. Não que lê-las nas usuras romanescas não seja tão ou mais obsessivo, pois, nem escolher se optamos pelas páginas impares ou pares, podemos. Pensando bem, as manhãs são assim também, mesmo as não obsessivas. As mais obsessivas são aquelas que deixam os personagens no limite de se arrepender, de sofrer, mesmo que para isto, seja preciso sair do lugar, acordar, despertar. Nem que seja para acordar como Samsa naquela manhã de sonhos inquietantes.
Ainda sem luz ou cenário, porém com muitos personagens o Parafraseando Eu
obsessivamente
está.