sexta-feira, 24 de junho de 2011

Em memória do cinema



Um gole de café. A pressa de não ser vista a fez não tomar leite. Estranho para alguém que sentia tanta vontade, ainda mais naquela garrafa de vidro etiquetada. Flash do enquadramento, teias cinematográficas – sua meia calça rasgada e um brilho incandescente no corredor de portas fechadas. Engolida pela ausência e mastigada pelos edifícios do centro da capital paulistana, exteriorizando traços retirados de obras orientais.
Na ajuda ao cego atravessar a avenida movimentada, pouco sabe da responsabilidade ali representada. Três minutos de uma respiração só, nua diante do outro está. Sem nome, as mãos dançam com a música digitalizada do som do computador.
Ainda dentro do mesmo dia, novamente na cozinha, desta vez acompanhada pelas sombras das imagens espalhadas pelo quarto. Porcaria de macarrão seco e grudento, olhando as panelas secas de arroz e feijão, desvela sua raiva – merda.
A velha que etiqueta tudo com o próprio nome está parada diante do móvel com o televisor na copa. O passeio da imagem explode nos nossos olhos, capazes de uma distância irresistível, presenciamos fissuras na parede. Na mão da velha, faturas vencidas de água e telefone.
Elas são dois países vizinhos que não se olham – de vez enquanto, gritos. Dois cafezinhos resolveriam a situação, subjetivamente pensamos. A consciência não pode ser a resposta de tudo aquilo.
No auditório com interferências da rua assistimos a narrativa do filme, contrariando a lógica das sessões de cinema, não foi oferecido pipoca, chocolate, muito menos refrigerantes. Dessa vez não foi o atendimento do celular, mesmo que nos créditos iniciais da película somos alertados pelo patrocínio de uma operadora de telefonia celular.
A tela escurece com os interrogatórios em uma sala da delegacia. Aos poucos percorremos a fragilidade da protagonista, loucura e realidades que cabem em um filme. Nas poltronas não muito confortáveis um público razoável acompanhava o filme em uma tarde ensolarada de sábado – o último antes do inverno.
Ao infinito daquela calçada na beira de uma avenida a personagem deixou a inocência incomoda da juventude. Dizem que os dias frios são mais bonitos.
Os créditos finais caem. A personagem tem seu nome artístico revelado. Espectadores desertores da sessão aproveitam o sol vespertino de sábado, jogando miolos de pão amanhecido para os pombos pela janela do carro.
Elementar, meu caro Watson, diria o detetive Sherlock Holmes.





sábado, 18 de junho de 2011

Cinzas

A crônica esta semana é cinza
Quando a tristeza for menor, quem sabe, isso não seja possível, mas por estes dias, nada melhor que dedicar poucas linhas para um alguém tão importante, que deixou a vida, sem dizer pelo telefone o motivo. Tio Décio, esteja certo, aprendi muito com você, mas sinto uma dor imensa em saber que partiu sem ao menos dizer goodbye. Isso para você deveria ser fácil, sem arranhos da fonética, a quase década nos Estados Unidos, proporcionou isso.

Aqui ficamos com as lembranças. Essas nunca morrem.





sábado, 11 de junho de 2011

Tecnologias



Nascemos sob o signo dos avanços tecnológicos, mesmo nossos antepassados tiveram a petulância de assistir muitos nascimentos, que quem sabe, nossos filhos não irão ter oportunidade. Com todas as esferas da tecnologia, também a muito da obsolescência – uma passadinha em alguma loja de eletrônicos e o celular que conversamos com os irmãos em outras cidades, ainda nas últimas prestações do crediário, já é um modelo ultrapassado, vendido por menos da metade do atual.

Em todos os aniquilamentos do consumismo ultramoderno, nenhum talvez seja maior que os avanços dos teclados dos computadores. Para quem transitou pelas teclas das máquinas de datilografar, estranhamento é a música do movimento dos dedos na digitação atual. Ouso dizer, existe uma ausência de musicalidade nos teclados, quanto mais avançado o modelo, distante ficamos. Nem o café preto com pouco açúcar e os cigarros de filtro amarelo mantém a aura das crônicas passadas.

Comecei a crônica naquela manhã de inverno: Rio de Janeiro, sua cor é suas calçadas, ventos do Arpoador, Copacabana de mim – ela não entendia direito, dizia que o Rio Grande do Sul, mais especificamente, Porto Alegre era melhor, dizia ela. Em galhofa, lhe dizia: Buenos Aires esta mais abaixo. Não, prefiro a Casa Tomada ou o Aleph sem precisar sair do sul – respondia ela.

Com o cotidiano e as reclamações fazemos a viagem de nossas vidas. Na semana passada quando cheguei ao Rio, estranhei pelo fato dos engarrafamentos e o caos no aeroporto. Drummond não fosse uma estátua, diria – havia um carro no caminho. Havia muitos carros no caminho. Já no hotel conectado em uma rede sem fio, voltei sem muito pensar nos idos da primeira visita ao Rio. Antes de começar a cantarolar algum samba de Nelson do Cavaquinho, voltei para as leituras cotidianas.

A tecnologia é capaz de mudar a fisionomia das pessoas, avanços dos sistemas de informação contribuem para agilidade das nossas vidas, mas ainda não existe tecnologia que mude o formato das lembranças e a necessidade de pães da água – uns mais brancos, outros, mais queimados.



sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os pecados de um caminhante







Caminhar, muita gente prática este verbo exaustivamente. É praticamente inconcebível imaginar um mundo sem esses atores guiados por seus pés. Essa constatação sugiu sem uma data definida, talvez em alguma das andanças pela cidade, na qual, sou um especialista.

Ver a cidade pelo plano das ruas é uma tarefa que nós enquanto pedestres não enxergamos. A relação entre ser um caminhante urbano e os espaços da cidade, é mais antigo que as cartilhas do Detran. Pensar que tudo teve inicio em uma manhã chuvosa, quando eu era um dos alunos do grupo do Colégio Vicentino São José, de Curitiba, naquela visita ao pavilhão do DNER. Passado um dia por lá, retornamos para o colégio com a sensação de um aprendizado para a vida.

Anos mais tarde, motorista da vez, percorria quilômetros pela cidade, percebendo as mudanças vistas na infância, quando o instinto de motorista andava apegados aos carrinhos de fricção. O velho sonho de dirigir, se tornou uma espécie de náusea da realidade, congestionando até mesmo em domingos e feriados. Já na fase sem carro, parambulava pelas ruas de Ponta Grossa, achando muito atraente o trânsito local, principalmente com a não tranquilidade de Curitiba e São Paulo, urbes percorridas exaustivamente anteriormente.

Depois de me tornar um pedestre autêntico, pude perceber o valor da figura das pessoas que são caminhantes, não pelo descaso de precisar caminhar em um mundo tão automobilístico, mas pelo azar de pertencer que entre os motoristas, apenas importam outros motoristas em seus carros, mesmo a regra não sendo uma constante verdadeira. Essa condição cresce cada avenida mais, o populismo dos pedestres, parece restrito aos pedaços de calçadas, disputadas com vendedores ambulantes, cachorros, carros mau estacionados, isolamentos da construção civil e telefones públicos abandonados.

Um dos exemplos mais pertinentes ao descaso com os pedestres está relacionada com a faixa de retenção/segurança, que quando não apagada, se torna decorativa marca no asfalto. Adiante dela, a faixa de pedestre, aliás, qual o sentido desta faixa, quando os pedestres que nela estão, poucas vezes tem a preferência diante de motoristas. Sem comparação, mas pode existir algo pior que um sinal verde para o pedestre, desrespeitado pela maioria dos proprietários das ruas. Essa prática é uma comum na saída do estacionamento do Shopping Palladium, quando grande parte dos usuários que saem de carro do shopping, parecem não perceber a existência de um dos poucos sinaleiros para pedestres na cidade.

O know-how de pedestre me torna um analista crítico das ruas, inclusive tentando educar muitos motoristas que não gostam da chamada de atenção, considerando esse pedestre aqui, um entrave do progresso do trânsito princesino.

Quando chego em casa hoje, já com a pauta da crônica, vejo no telejornal da maior emissora do estado, soluções para o trânsito importadas de Amsterdam. Amanhã mesmo vou pesquisar preços de bicicletas - com os equipamentos certos e um capacete em uma cor viva, não serei mais um problema, mas no mínimo dois.