quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Dez anos depois



*crônica publicada originalmente no site Cultura Plural, coluna Chocalho de Palavras.


A explosão da internet tornou-se a maior vantagem do mundo (ou o contrário, pode ser), e, com os dez anos dos atentados do onze de setembro, fomos atacados novamente pela crise do tempo. Inevitável é não lembrar o que fazíamos naquela tarde de pseudoprimavera.  Pelo menos para mim foi através dos televisores mudos expostos nas vitrines – batendo os pés nos outros transeuntes não compreendíamos nada do que a ancora do plantão vespertino falava, bombardeados pelas imagens dignas de filmes spielbergianos. 
 Talvez o impacto do onze de setembro tenha refletido nas gerações acostumadas e colonizadas pelos filmes americanos de guerra, normalmente colocando os Estados Unidos como a suprema fortaleza, algo já visto nas brincadeiras de “forte apache” (em miniatura) no tapete sala com os indiozinhos em confronto com os cavaleiros americanos. Sem saber nada de geopolítica estávamos diante de questões históricas, que arremataram a inocência daquelas brincadeiras após o western Fort Apache (1948), de John Ford, anos depois.
Em uma época de pós, mesmo com algumas refutações teóricas sobre o conceito de pós-moderno, não há como negar: uma década depois dos atentados o mundo teve mudanças sistemáticas, principalmente nas ferramentas de informações pela internet. Em março deste ano, presenciamos praticamente ao vivo o tsunami que atingiu o Japão, devastando várias cidades. Certamente foi a primeira atrocidade que teve grande parte das lentes do mundo, três anos depois do episódio em Nova York foi a vez de Madrid, capital espanhola, sofrer com o terrorismo dentro dos vagões de metrôs.
 Porém, foi com a invasão do Iraque por tropas americanas e a deposição seguida do assassinato do ditador Saddam Hussein, que novamente trouxe o bombardeio de tudo aquilo iniciado naquela tarde de 2001, deixando a sensação do alcance da internet ter atingido o seu primeiro “boom” noticiando uma guerra.
 O grande exemplo ocorreu no começo de maio deste ano, quando o presidente americano Barack Obama anunciou a morte de Osama Bin Laden, durante uma operação no Paquistão. Identificado como o grande responsável pela queda das torres do World Trade Center, tornando-se o inimigo número um dos americanos e do restante do mundo. Como espectadores acostumados à totalidade dos fatos, não ter a certeza da morte do fundador da Al- Qaeda, nos joga no terreno das desconfianças surgidas com a internet.
 Dez anos depois, ainda é melhorar cantarolar: eu detesto George Bush desde a Guerra do Kwait, conforme Zeca Baleiro e Chico César. Se quiser deixar as coisas mais light: quero adoçar a minha sina, que viver tá muito diet.

domingo, 4 de setembro de 2011

Epitáfio



     [foto de Washington C Takeuchi - www.circulandoporcuritiba.com.br] 

Há trinta e um dias, o meu avô materno completava 87 anos, cercado de familiares, netos, bisnetos e alguns amigos. No dia seguinte, os mesmos velavam o seu corpo em uma capela do Cemitério do Abranches. A quantidade de horas entre o aniversário e a morte foi exatamente de um dia. Talvez o maior contraste da sua morte foi a disposição da vida que sempre o acompanhou. Não era do time dos assíduos idosos clientes dos consultórios médicos, costumava dizer que seu sangre bugre era o responsável pela vitalidade.

Aprendeu cedo a viver zelando pelos outros, aos oito anos, órfão de mãe precisava cuidar dos outros irmãos, obrigações para um primogênito. Ainda sem o buço preenchido  pelos fios grossos de barba começou a trabalhar nas lavouras de cana em Ipiranga, cidadezinha na região de Ponta Grossa. Casou-se e criou seus seis filhos e mais três sobrinhos. Funcionário da construção civil, usava as folgas do final de semana para reformar a casa pequena de madeira em um bairro da região norte de Curitiba. Com o tempo conseguiu terminar – prendado, usou os dotes de marceneiro e fez guardas roupas, camas, casinha de cachorro e a mesa da cozinha, que sempre julgou ser um lugar sagrado para o encontro da família, por mais que preferisse ver as pessoas juntas de longe. Isso se tornou uma espécie de identidade do meu avô paterno, que com aforismos populares deixou o seu legado para todos nós: meu carro é movido com feijão e cagou-se o PTB, são parte do conjunto imprescindível. A sua morte foi um choque principalmente para todos nós que enxergávamos ali a significação diferente dos dicionários para a eternidade.

Um dos segredos da vida é este, crescemos com a ideia de que não vamos perder as pessoas amadas, preferindo acreditar que a morte é algo distante. Isso desconcerta nós todos, entendível, afinal não estamos preparados para perdas, por mais que a natureza humana seja a única comprovadamente racional. Este pensamento somente ocorreu no momento em que o tumulo era fechado – paradoxo de quem sempre usou as mãos para concluir suas próprias obras.

Em tempos que a expectativa de vida das pessoas está futuramente associada para um milênio, conforme o biogerontologista inglês Audrey de Grey, talvez a morte na modernidade seja os meros descuidos diários. Aquilo que o poeta satírico romano Juvenal chamou de mens sana in corpore sanouma mente sã num corpo são, mostra que já no século I a essência da medicina ortomolecular estava na sátira latina. As etapas da vida tem narradores diferentes, que frequentemente estão apoiados nos causos e contos – passamos de ouvintes de uma narração em terceira pessoa para com o passar dos anos chegar a primeira pessoa, evocando igualmente a um casmurro o sentido da vida, que Segimundo indaga em uma prisão: Qué es la vida? Un frenesí. ¿Qué es la vida? Una ficción.

Longe de saber qual o sentido e a durabilidade da vida, mesmo quando a ciência moderna traz a tona do debate os mil anos que as pessoas podem viver, fazendo com que muitas pessoas pensem realmente qual o sentido de um milênio de vida para quem normalmente busca nas invenções o melhor de uma vida na infância, respostas que nenhum gene pode responder. Adão o personagem bíblico morreu com 930 anos, segundo textos históricos e bíblicos, nem ele mesmo conseguiu os mil anos, diria o meu avô.