segunda-feira, 12 de abril de 2010

Entre pinheiros e araucárias

Cresci ouvindo diversas conversas, sendo o futebol e o cotidiano os mais presentes. Sem saber, transitoriamente fui construindo o referencial musical, que levo como bagagem atualmente. Na escola aprendi pela geografia, nas aulas do professor Ivo, que o Paraná é um dos estados sulistas, tendo nas suas fronteiras, acima o estado de São Paulo e abaixo Santa Catarina. Mesmo sabendo que são apenas estes dois estados a serem divisores do estado. Anos mais tarde, em conversas já contaminadas pelos discursos com ponto de vista políticos, ao lado de alguns colegas na gelada PUC-PR.

- O Paraná foi estado de passagem. As pessoas saiam do Rio Grande do Sul e rumavam para São Paulo. Ou ainda, faziam o inverso.

Um deles argumentou: isso foi no começo do século XX. O que falara sobre a transitividade pelo estado retrucou – talvez seja, mas ainda estamos assim. Eu, confesso, concordo e discordo da afirmativa. Talvez, meu lado crítico, esteja de concordância. Mas, o eu - lírico, acredita que somos o inverso.

O tom ufanista definitivamente não ecoa no estado, aliás, neste momento mergulho nas profundezas dos gaúchos. A inveja, acreditem, é natural, e acontece por reconhecer a valorização daquele povo com suas coisas.

Em um estado que temos uma das grandes maravilhas do mundo – As Cataratas do Iguaçu, somente lembramos-nos de exaltar a existência dela quando provocados a votar para o seu reconhecimento como uma das maravilhas natureza, título que conseguiu.

Na semana em que a cultura paranaense perde a sua voz mais bonita, fica a pergunta, agora algo vai mudar? O Ivo Rodrigues com o pessoal do Blindagem fez música, participou ativamente da cena musical brasileira desde de 1979. Principalmente construindo uma identidade paranaense em suas letras - Cheiro do Mato, Adeus Sete Quedas, Lá Vai o Trem, sintetizam esse envolvimento com o Paraná e Curitiba.

Escutando um cd antigo do Blindagem, autografado pelo próprio Ivo ao meu pai, ainda na década de 90, percebi aquilo que sempre contestei: poucas bandas no Brasil tiveram uma lista de grandes canções como o Blindagem.

Ao fim de uma semana em que durante um amanhã de outono gelada em Curitiba, passei na rua de um dos mais representativos contistas brasileiros, percebendo somente as cortinas acinzentadas de sua casa, senti que ser paranaense é envolver-se culturalmente. Nem que seja como personagem, se existem tantos por aí, qual o motivo de não ser mais um.

Enquanto um estado tiver nomes como Helena Kolody, Paulo Leminski, Ivo, Rodrigues, Dalton Trevisan, Valêncio Xavier, Jamil Snege, Cristovão Tezza, Miguel Sanches Neto, Domingos Pellegrini, Wilson Martins, o velho embate entre estado de passagem ou não continuará sendo coadjuvante. A arte tem esta capacidade, um prêmio a todos - inclusive aos desmerecedores.









sexta-feira, 2 de abril de 2010

Como pode ser chato o "ser" moderno


Não sei direito, mas de uns tempos para cá, escrever se tornou uma prática costumadamente cotidiana, tão comum como comprar pão em alguma panificadora localizada em esquinas. Ao deleite da modernidade, com cpf, rg, título de eleitor e habilitação na categoria B, repouso meu indicador e mingo finos sobre o teclado, sendo orientado por personagens com um talento persuasivo imenso - muitas vezes, enaltecendo a realidade que não os cerca. A prática da escrita não pode ser restrita ao comodismo do silêncio, naqueles idos de encantamento poético ainda crentes apenas na inspiração. Nas fronteiras do inquilinato, ruídos dos vizinhos invadem o espaço, do qual pago para não ouvir prosas alheias. Ao contrário dos nossos ancestrais escritores, habitando no ato da escrita observados pelo silêncio dos romances comprimindo página por página, se possível com um piano como moldura do espaço. Outra noite, o vizinho do apartamento ao lado esquerdo, a partir da escrivaninha sem verniz na qual escrevo, emitiu sons guturais, denunciando o relacionamento de número ímpar, por mais que no momento formassem par. No andar de cima, uma atriz decorava seu pequeno texto. Talvez a insistência naquela cena com duas falas seja pressão do diretor em reativar um texto com a ideologia do teatro de protesto, por mais que a modernidade veja com um olhar desconfiado remakes teatrais. Na televisão, o refúgio obsoleto, me faz escutar o noticiário de fianco - quedas nas taxas de importação. Logo, o flash da publicidade, ilumina toda a saleta com um vermelho forte, na tela um ator de folhetim das oito, amestradamente mostra os dentes, incluindo o céu da garganta, tudo para convocar os brasileiros para o saldão de final de semana. Constato que o cinema não teve grande impacto na trajetória do lord tupiniquim - críticas a parte, volto ao texto.

Abruptamente o telefone toca, por um instante esparramo os papéis e contas pela escrivaninha, procurando pelo celular, ao notar a emissão do som no fundo da saleta, caminho para pegar o velho telefone inventado por Graham Bell. No outro lado, a factual ligação noturna, comum aos que estão fora de casa há menos de cinco anos. A diferença em receber um telefonema durante a noite mais enveredado aos 30 anos, é que ele é uma forma de encontro com gratidão, comum também nas longas conversas adolescentes, porém estas, acabam se configurando muito mais como platonismo. Do outro lado da linha, escuto o latido dos cachorros da família, neste momento sinto a solidão preencher as lacunas românticas do ato de escrever. Não demora para uma dúvida ocorrer, depois da reforma ortográfica, normalmente pairo na acentuação, ou ainda, na falta dela - ainda sobre o efeito dos latidos consulto um dicionário lusitano. Sigo em uma labuta com os personagens, relendo os parágrafos iniciais, não concordando com o comportamento deles perante aos impasses diários. Escuto reclamação do comércio, segundo a minha mãe, está tudo muito ruim neste ano. Enquanto ela fala, relendo o texto, penso em argumentar sobre o potencial número de leitores que um escritor tem - certamente o número de páginas de um romance não corresponde ao de leitores, na grande parte das vezes - talvez Homero, ou ainda Paulo Coelho consigam. Desfeita a ideia lacônica, concordo com a crise do comércio no aniversário da primeira década do novo século - no outro lado, meu pai interrompe a minha mãe, começando a falar da rodada do certame de futebol. Na rua um carro não conseguiu frear no asfalto encharcado da chuva do veranico de março. Quando penso em deixar a quase linguagem de onomatopéias para comentar sobre futebol, em ano de Copa do Mundo essa vicissitude não é alegórica – aliás, nunca é. Como resposta, ele me diz que o telefone subiu mais de 4% no último mês - boa noite, boa semana. Sem tempo de uma resposta completa retribuo em pensamento o mesmo.

Retorno o olhar para o texto, mas o cansaço cotidiano me pede para continuar em outra hora, provavelmente amanhã ou depois. Os personagens mesmos, reivindicam mais atenção, exigindo uma postura mais formal e mais distante possível do pedantismo comum na literatura contemporânea.

Nas amostragens diárias, a atriz ainda está ansiosa com a pré-estreia em um festival interiorano de teatro e meu outro vizinho resolveu terminar o namoro. Na esquálida incerteza do cotidiano, imagino como seria a solidão de um escritor sem a internet, celular e todas as questões mundanas da vizinhança. Talvez, a essência árcade tivesse seu lugar - porém, do espírito pastoril, apenas os carneiros, um resquício infantil, que imagino já deitado na cama, enquanto escuto música do mesmo computador em que amanhã volto para finalizar o texto.