O silêncio, uma fração da realidade que se aquieta, entre os movimentos dos ponteiros no relógio. Para o escritor, o ato da escritura, transforma em onomatopéia o movimento pianista dos dedos. No urro da ideia, agoniza o verbo. Escrever é ato, presença e um pouco do agora.
Tantas coisas passam na sua frente, rememorando os tempos da infância, quando saia às cinco horas da manhã para trabalhar ao lado do seu pai no Mercado Municipal. Nas figuras dos velhos sacerdotes, que com suas propriedades de hortifrutigranjeiros, pagavam um pequeno salário para eles. Nas voltas da vida aprendeu que pelo caminho da escola, teria oportunidades diferentes - passados tantos anos, organiza sua agenda pessoal, começando sempre pela leitura do jornal enquanto toma o café da manhã.
Ultimamente o acontecimento de muitas coisas o faz sentir o desespero do adiamento de um novo texto. Com as atividades corriqueiras de uma profissão ortodoxa, fica com o espaço das férias para a escritura de textos longos - lembra que no último romance, necessitou de praticamente três recessos para conseguir finalizar o trabalho, que já contava com aporrinhações do editor. Semanalmente escreve crônica, começou como uma tarefa simples desta escritura tão cotidiana. No contato com outros escritores, acabou descobrindo que eles normalmente produzem isolados em seus escritórios-blibliotecas.
Uma das grandes chaves da ficção é o isolamento, mesmo que muitas vezes ela seja uma senhorita garbosa que não aceita a própria existência, precisando sair para o chá nos salões do centro da cidade. Exemplos de ficcionistas que procuram estar distante da sociedade e dos personagens criados em suas obras não são raros. Muitos fazem do contemporâneo a vida que os outros não enxergam - frequentando os lugares em que na porta está o aviso do funcionamento até às 22 horas. Cercado de tomos literários, muitos empoeirados, pede desculpas por deixá-los fechados por tanto tempo. Imagina o dia em que houver uma revolta dos narradores e personagens - todos entrando em greve.
Ao escutar da esposa que seu isolamento literário ainda seria fruto da fissura familiar, resolveu mudar de posição a escrivaninha abarrotada de papeis das mais variadas espécies, algumas com traços de um novo texto ou os predicados positivos de algum personagem secundário. Mais próximo da porta, podia ouvir as birras da filha pedindo um irmão que acabasse com sua solidão de filha única. No televisor comprado em uma liquidação pós Copa do Mundo, escuta que foi iniciada a campanha eleitoral, duas vezes ao dia, terá oportunidade de acompanhar o falar dos candidatos - entre os ruídos da rua invadindo os cômodos da casa.
No itinerário do seu dia, a rememoração surge no gosto do mamão durante o café da manhã. É dia de crônica – podendo tudo ou nada na parágrafo iniciado.
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