Não sei direito, mas de uns tempos para cá, escrever se tornou uma prática costumadamente cotidiana, tão comum como comprar pão em alguma panificadora localizada
Abruptamente o telefone toca, por um instante esparramo os papéis e contas pela escrivaninha, procurando pelo celular, ao notar a emissão do som no fundo da saleta, caminho para pegar o velho telefone inventado por Graham Bell. No outro lado, a factual ligação noturna, comum aos que estão fora de casa há menos de cinco anos. A diferença em receber um telefonema durante a noite mais enveredado aos 30 anos, é que ele é uma forma de encontro com gratidão, comum também nas longas conversas adolescentes, porém estas, acabam se configurando muito mais como platonismo. Do outro lado da linha, escuto o latido dos cachorros da família, neste momento sinto a solidão preencher as lacunas românticas do ato de escrever. Não demora para uma dúvida ocorrer, depois da reforma ortográfica, normalmente pairo na acentuação, ou ainda, na falta dela - ainda sobre o efeito dos latidos consulto um dicionário lusitano. Sigo em uma labuta com os personagens, relendo os parágrafos iniciais, não concordando com o comportamento deles perante aos impasses diários. Escuto reclamação do comércio, segundo a minha mãe, está tudo muito ruim neste ano. Enquanto ela fala, relendo o texto, penso em argumentar sobre o potencial número de leitores que um escritor tem - certamente o número de páginas de um romance não corresponde ao de leitores, na grande parte das vezes - talvez Homero, ou ainda Paulo Coelho consigam. Desfeita a ideia lacônica, concordo com a crise do comércio no aniversário da primeira década do novo século - no outro lado, meu pai interrompe a minha mãe, começando a falar da rodada do certame de futebol. Na rua um carro não conseguiu frear no asfalto encharcado da chuva do veranico de março. Quando penso em deixar a quase linguagem de onomatopéias para comentar sobre futebol, em ano de Copa do Mundo essa vicissitude não é alegórica – aliás, nunca é. Como resposta, ele me diz que o telefone subiu mais de 4% no último mês - boa noite, boa semana. Sem tempo de uma resposta completa retribuo em pensamento o mesmo.
Retorno o olhar para o texto, mas o cansaço cotidiano me pede para continuar em outra hora, provavelmente amanhã ou depois. Os personagens mesmos, reivindicam mais atenção, exigindo uma postura mais formal e mais distante possível do pedantismo comum na literatura contemporânea.
Nas amostragens diárias, a atriz ainda está ansiosa com a pré-estreia em um festival interiorano de teatro e meu outro vizinho resolveu terminar o namoro. Na esquálida incerteza do cotidiano, imagino como seria a solidão de um escritor sem a internet, celular e todas as questões mundanas da vizinhança. Talvez, a essência árcade tivesse seu lugar - porém, do espírito pastoril, apenas os carneiros, um resquício infantil, que imagino já deitado na cama, enquanto escuto música do mesmo computador em que amanhã volto para finalizar o texto.
2 comentários:
O texto veio para "cá". Mas reforço, devia ter ido para "lá". Meu sexto sentido não falha. rsrs
Gostei 100,1%.
Olá,
Gostaria de pedir autorização para utilizar a foto do Largo da Ordem que você utilizou no dia 21 de janeiro de 2009 em seu blog. Não sei se a foto foi tirada por você mesmo: ela me apareceu no Google imagens entre os primeiros resultados. A foto, além de bonita, mostra exatamente, no canto, o Palacete Wolf, meu destino em minha crônica, cujo título estou tentando criar para que você possa identificar...
Pronto: se chamará "Gritos e sussurros". http://nabocadocavalo.blogspot.com/2010/04/estavamos-andando-e-conversando.html
O bloq é de estudantes duma oficina de crônicas e lá há diversas crônicas de diversos alunos.
Se eu puder (ou não) publicar a foto, comente lá. Achei melhor só colocar depois de devidamente autorizada a publicação.
Abraço!
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