terça-feira, 27 de julho de 2010

Uma boa história para contar: El Gabo


Crônica originalmente escrita em 07/04/2009.

L
embro perfeitamente a primeira vez que tive contato com uma obra de Gabriel García Márquez: foi em um dos andares Biblioteca Pública do Paraná, creio que seja no 2ºandar. A minha procura por Márquez aconteceu após escutar do professor em uma aula de Geografia sobre o ativismo político do escritor. Sem muito saber sobre prazer literário, puramente em nome de uma insistência juvenil (curiosidade), me deparei com Cem Anos de Solidão – sua obra prima, uma das maiores obras da Literatura do século XX. O livro estava em uma estante central, ao lado de outras obras literárias, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, que na época eu ainda não tinha lido, a minha caretice juvenil não entendia a escrita machadiana.

Ainda em pé, comecei a folhar as primeiras páginas do romance, estava impressionado com o livro - até este momento estava mais impressionado com a linda capa verde com detalhes em amarelo e sobretudo com a militância política do autor - exilado no México em decorrência da acusação de colaboração com a guerrilha colombiana. Tudo o que eu mais queria naquela manhã era fazer o empréstimo do livro, porém, a " inocência juvenil" se perguntava - o que meus amigos vão pensar? Como um personagem fantástico da literatura de García Márquez, resolvi tomar a atitude de efetivar o empréstimo da obra.

Muitas páginas lidas da literatura de Márquez, muitos anos depois, durante a leitura de um novo romance - O Filho Eterno, do Tezza, de costas para o televisor, escutei a chamada sobre Gabriel García Márquez - o lado amante incondicional da literatura se estampa de felicidade - deve ser sobre o lançamento de alguma obra, ou mesmo, uma biografia sobre o Gabo. Em menos de dois minutos o extase feliz, se resume a cabisbaixo escutar sobre a aposentadoria de Gabriel Gárcia Márquez. Pensa - não pode ser, injustiça com a literatura, faz confidências e esbraveja cercado no singular preso entre as paredes do quarto. O estranhamento causado pela notícia da aposentadoria do escritor colombiano, provocou um silêncio que chegou a interromper a leitura do romance naquele instante. O silêncio foi totalmente involuntário, talvez uma extensão da própria personalidade do escritor colombiano - um solitário confesso.

O anuncio da aposentadoria de Márquez me provocou um estranhamento, digno dos 18 anos de dedicação do escritor para a publicação de Cem Anos de Solidão, talvez, fruto do sentimentalismo exarcebado em saber que o realismo fantástico de Gabriel García Márquez vai deixar de proporcionar novas publicações. Simultaneamente a este sentimento extramente romanesco, percebi que Gabriel García Márquez não precisa de mais nenhuma obra inédita, pois, o ineditismo em sua produção literária poderia ser uma forma de comparar sua produção passada com uma eventual atual - um argumento certamente hipotético - constata no dia seguinte.

O autor ao longo de sua carreira - ainda não concluida, afinal o escritor colombiano sempre tem uma ótima história a nos contar, publicou 26 romances, entre eles – Ninguém Escreve ao Coronel (1961), Cem Anos de Solidão(1967), O Outono do Patriarca(1975), Crônica de uma morte anunciada, O Amor nos Tempos do Cólera(1985) e Memórias de Minhas Putas Tristes (2005). Também foi ganhador do Nobel de Literatura em 1982 – com Cem Anos de Solidão. Além disso o autor teve alguns dos seus romances adaptados para o cinema - Crônica de uma morte anunciada, O Amor nos Tempos do Cólera e seu último trabalho até o momento - Memórias de Minhas Putas Tristes será o próximo a ser lançado.

Ao contrario do primeiro contato com uma obra do escritor colombiano na Biblioteca Pública do Paraná, o contato com a última aconteceu há pouco mais de dois anos, quando já não fazia mais parte do circulo dos insistentes juvenis. Descobri em Memórias de Minhas Putas Tristes que não precisava me preocupar com o que meus amigos iriam falar, até porque, eu falaria aos meus amigos – com 90 anos ainda podemos e devemos sentir desejos.

Ao voltar encontrar as lembranças do primeiro contato com Gabriel García Márquez, percebo que naquele momento fugi do lugar comum - em um lapso digno de quem não entendia direito o que acontecia, segurava uma obra vencedora de um Nobel de Literatura,que poderia ter ficado distante da minha leitura não fosse a
minha " insistência juvenil".

Com a aposentadoria de Gabriel García Márquez a literatura perde muitíssimo, porém, a vida ganha – chega a ser estranho pensar assim, mas para quem sempre escreveu sobre ensaios do que a vida representa, chegou a hora, da vida vê-lo com a mesma atenção que ele sempre a olhou.

domingo, 11 de julho de 2010

O herói de cada menino envelhecido


O Maracanã com suas gerais grudadas no suor das costas do bandeirinha que há pouco invalidou uma ótima subida do ponteiro direito Maurício pela direita. Na defesa o time rubro-negro se defende com a maestria ainda reluzente da geração anterior de Zico, Andrade, Leandro e cia. A narração televisiva sensibiliza o espectador ao percalço do Botafogo, que há 21 anos não conquista o certame estadual.

- Tá na rede – narrado pela inconfundível voz de Januário de Oliveira. Maurício, o mesmo que teve uma boa jogada impedida indevidamente pelo bandeira, colocou o grito de gol nas gerais e cadeiras do Maracanã - meia hora depois a torcida alvinegra celebrava aquele campeonato carioca de 89. No Olimpo Futebolístico, Mané driblava nuvens e saltava para tocar os raios de sol, sorridente pela volta da magia da jogadeira 7.

Gostava de falar sobre o futebol na manhã seguinte durante o recreio escolar, naqueles passageiros 15 minutos e broncas levianas do inspetor pela demora na formação da fila indiana em que éramos perfilados.

Assistir no estádio ou mesmo ver pela televisão uma partida de futebol é enxergar os heróis que os meninos encontram como mais reais possíveis. Aqueles vinte e dois homenzinhos correndo em um gramado é uma inexatidão completa, nada que a escola ouse conseguir ensinar. Com camisas de clubes variados íamos para os campinhos de areia jogar bola. Vez ou outra aconteciam algumas discussões motivadas pelas bicudas na altura dos pinheiros nos fundos das traves. Gol perdido é perdoado. Já galináceo, não. Então, jogar no gol é uma tarefa dos heróis mais fortes, com suas camisas em tom diferente do restante dos jogadores do próprio time, desafiando todos. Quando fazem defesas de mão trocada, ou ainda, parados no meio dos nove metros e quinze conseguem espalmar um pênalti, são heróis que cada guri enxerga no espelho quando se olha um jogador de futebol.

Os meninos de hoje podem não perguntar ao pai o motivo dos maiores heróis do país não participarem da fase final da Copa do Mundo. Talvez, eles não admitam que meninos de outros paises possam ter heróis com mais capacidade que os vestidos de verde e amarelo.

Um dos causos mais remotos nos dias de hoje são os diálogos entre o pai com suas vicissitudes herdadas da paixão futebolística e o filho que cresce sem espaço em casa para a mesa de futebol de botão.

- Papai, você sempre falou do futebol.

- Sim. Ainda lembro do futebol com bola de meia na escola.

- Era bom?

- Nem fale.

- Pai, e a seleção?

- Fomos mal.

- No vídeo-game o Brasil tem o melhor time.

- Somos pentacampeões.

- E a Espanha?

- Estão bem.

- E a Holanda?

- Ganhou do Brasil.

O ritmo de perguntas e respostas perdia força para a altura da noite que chegava sem pedir licença na sala de casa. Sentado com os tornozelos para trás, ele coloria um destes animes, enquanto o pai tentava formular uma resposta para justificar sobre os erros dos heróis de cada menino envelhecido.

Ele dormiu sem perguntar sobre o que o noticiário mais fala nos últimos dias. Ainda sem entender nada destas manchetes, leva o filho para a cama sentindo o peso de um verdadeiro herói nos braços, como fosse o goleiro que nunca foi.



sexta-feira, 2 de julho de 2010

O silêncio acompanhado


Uns dos desdobramentos mais comuns na vida de uma pessoa em constante mudança são os vizinhos. Diferente de viver sempre em um mesmo endereço ou uma mesma cidade em que as mudanças ocorrem normalmente pelas transformações imobiliárias.

A explicação mais usual para o contato ou ainda a falta de contato com os vizinhos estabelece um conceito que torna o homem diferente de todos – sem eles não teríamos muitas boas histórias para contar.

O sorridente porteiro de um edifício no centro da cidade conseguia contar boas histórias sobre os moradores dos sessenta e cinco apartamentos – antes exercitava a especulação cotidiana com os moradores. Poucos minutos diários na espera do elevador eram suficientes para conhecer um pouco dos vizinhos, mesmo aqueles que nunca tinha visto.

No começo domiciliar na cidade não tinha dimensão de como ela funciona. Realmente é como dizem os professores de língua estrangeira, nada melhor que residir em um país para conhecer seu idioma, costumes e sentir na nuca o peso da cidade – no meu caso, um vento princesino. Nesta lógica, aprendi a conhecer a cidade, junto com seus sobrenomes tradicionais, não somente no campo da política.

Tudo uma casualidade, se visto pelas diferenças culturais existentes, mas para quem se acostumou a viver como um nômade, não pode ser estranho, nem mesmo notável tais acontecimentos. A grande chave para quem mora sozinho em uma cidade diferente da sua é a audição capaz de decifrar os menores ruídos.

Pode ser o disparo de um alarme de algum carro estacionado em vaga reservada para cadeirantes na mesma avenida com uma escuridão decorrente da queima de uma lâmpada bem no centro da cidade – justamente nos 20 metros acima a luz ajuda no brilho do luminoso da prefeitura que anuncia a população da troca de todas as lâmpadas.

Mas poucas coisas podem ser mais ficcionais que morar sozinho e não ter vizinhos de longa data. Aliás, tal teoria é ainda mais presente com uma edição de folhas tipo às de jornais do Cortiço de Aluízio de Azevedo. Anotações com pouco mais de um ano, que chegam pedindo passagem para a falta proporcionada do agora. Aos lados os dois vizinhos, contribuem para qualquer naturalista ficar inicialmente com vergonha – a timidez é um estado inerente do ser humano, principalmente quando sabemos o que acontece ao lado. Eles conseguem ao mesmo tempo sincronizar ações, poderia pensar que são conhecidos e realizam uma espécie de tara sexual, com um espaço entre eles – mesmo com um dos apartamentos sendo habitado recentemente.

Entre o contato com a lembrança do primeiro vizinho na infância, um sapateiro que costumava não entregar as bolas de futebol dos meninos exalando a infância no golzinho de toda tarde – e os vizinhos inusitados em São Paulo, como a senhora portuguesa que sempre morou sozinha depois que chegou de Porto. Escutei isso por diversas vezes no elevador entre o 6º e o 9º andar, sempre entre dois travestis que moravam juntas e reclamavam que a velha lusitana costumava bater com o cabo da vassoura no teto do apartamento para alertar sobre os risos de boas companhias naquele 112. A grande chave deste encadeamento é de nunca ter cruzado com a senhora nos mais de 13 meses residindo ali na região da Augusta, tendo sempre que escutar conversas em terceira pessoa.

A última mudança na cidade não permite mais eu encontrar o porteiro que sempre comentava sobre os moradores do edifício – por mais que sempre passe em frente ao local, o perceba sentado em frente ao um computador, sem ângulo para olhar o meu itinerário. Pensando bem, certo ele que comenta sobre todos os outros. Não será surpresa alguma encontrar no twitter uma hashtag # Marieta.