O ato de assistir peças teatrais se tornou um dos exercícios mais clamados de prazer em ausência na minha vida. Constato, uma dívida impagável que exerço com a atualidade. Tal como um personagem devedor, um típico malandro, sempre busco brechas para assistir uma montagem teatral. Uma peça aqui, outra, ali, muito pouco, percebo ao olhar com desespero o informativo de mais uma peça anunciada no jornal.
Um dos envolvimentos de uma produção cênica é ultrapassar as fronteiras do palco e explodir no colo da velhinha na última fileira no teatro. Porém, ultimamente, apegado a dívida de deixar de acompanhar muitas peças, me jogaram no abismo de não conseguir aplaudir ou criticar muito do que porventura tenho acompanhado.
Desfeita as más impressões quanto a relação temporal dos caprichos com a arte dionisíaca, na mesma semana em que a quinta-feira, vestiu-se esportivamente de terça, ir ao teatro foi um acontecimento que mereceria um púlpito.
Ouvi distraído de um dos organizadores do espetáculo para esperar uns momentos antes de adentrar ao auditório principal do teatro. O cheiro do verniz exalado dos corrimões das escadas de acesso ao auditório inebriavam os poucos distraídos presentes ali. Poucos minutos depois, tinha a frente uma enormidade de poltronas vazias - pela primeira vez em alguns anos de eventos naquele local. Ao fundo canções brasileiras dos anos sessenta e setenta contornando a atmosfera que plainava sobre o público. A frente o palco imenso com um banco sem encosto, megafone, um litro de conhaque e três copos de martelinho. Nesse momento, remomerei Oswald de Andrade - "O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus". Sabia que essa afirmativa não é tardia, muito menos para a representação memorialística que começaria naquele momento - Henfil, Já.
Por imposições transitórias do tempo, não tive oportunidade de ser contemporâneo deste artista de natureza gigantesca, que assinalava em suas ilustrações e crônicas muito da situação vivenciada no período da ditadura no Brasil. Sem sombras de dúvida, o reflexo das censuras produziu no campo artístico uma inquietude que motivou muitas vezes os "donos do país" convidarem muitos deles para mandarem postais escritos com o cenário gélido da neve. O próprio momento de transição presidencial, na qual o relacionamento entre situação e oposição é uma mistura de agressividade e comédia, é antes de tudo, livre, pelos preceitos da democracia presente.
Cartas á mãe, Diário de um cucaracha, são exemplos de uma montagem, que levou o trio de atores, revivendo Henfil a levitar no palco e fazer a plateia, inclusive eu, já desacostumado com esse sentimento provocado pelo teatro novamente me perguntar - o passado realmente existiu?
Pautado pelo montagem, parece que a ficcionalidade é apenas uma parte do inventário do irremediável, neologismo ao nome da obra de Caio Fernando Abreu. Em falas censuradas, muitos Henfis, Zuzus Angels, Pixotes, Lulas, Chicos foram entoados no palco, parecendo abstratos pelo ponto de vista da arte no agora.
Em uma rápida conversa no final do espetáculo, confidenciei: somente com humor para vencer um país de censores.
Uma excessiva sequência de fotos de um militante de jornalismo atrapalhou a peça. Pensando bem, Henfil gostaria de ver as fotos, que no seu próprio tempo, foi fechada em arquivos. Já o ponto alto foi o avião do Henfil cair justamente em minha direção, seria um aviso da liberdade, mesmo que tardia?
Os inconfidentes nos responderam isso há muito tempo.
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