Não lembro a última vez em que visitei a uma feira de hortifrutigranjeiros, mas certamente naquele tempo ainda calçava o chinelo escolhido pela minha mãe. Pensando bem, talvez naquelas manhãs de sábado, a escolha fosse feita por minha avó.
Passada duas décadas, muita coisa mudou, além da intromissão do século XXI, que entusiastas clamavam como o final dos tempos. Com a passagem para o ano dois mil, os mesmos celebravam pelos bates papos na cidade a imensurável alegria do belo mundo franciscano herdada das lembranças passadas junto à infância. Mal sabiam eles que o pop dois mil e doze estaria presente além das telas de cinema.
A grande mudança local foi a feirinha de todo santo sábado pela manhã continuar no mesmo endereço. Várias barracas agrupadas, as lonas laranja projetando sombras sobre o asfalto agora etiquetado com faixas de sinalização. Naqueles idos, talvez ali já estivessem todas estas sinalizações, porém a lembrança não se curva perante as preferências, nem mesmo, quando existe uma placa dessas na esquina.
Duas senhorinhas conversavam durante o último sábado na feirinha. Sorridentes, não desconfiavam do aumento do preço das verduras e frutas. Aprenderam com a tradição familiar comprar na feira as vitaminas que volta e meia alguns jovens encontram nos balcões de farmácia. Nem mesmo o susto com o preço elevado do quilo da batata a fez deixar de cumprimentar o vendedor.
- Bom dia.
- Tudo bem com a senhora? Passou bem a semana?
- Graças a Deus.
- Então, hoje, um quilo de batata?
- Aí fica caro ....
- Não fica.
- Pelo preço do quilo ....
- Faz assim. A senhora paga um quilo e mais um pouco de dinheiro, leva dois.
- Mas aí vai faltar para o bacalhau.
- Falta nada. Batata é um ótimo acompanhante para a bacalhoada.
Ladino, o vendedor tem a própria aura de comerciante. Enquanto a senhora avista de longe a outra que está em frente ao uma bancada de frutos do mar, o comerciário ensacolou as batatas e com o primeiro caderno de um jornal da semana passada, enrola alguns ovos, que ela nem teve a necessidade de pedir.
Não sei quando frequentei pela primeira vez uma feira de hortifrutigranjeiros, somente sei que de certa forma dói ao cruzar com os grandes hipermercados pelas esquinas da cidade. Certa vez meu filho me perguntou como era a rua em que moramos nos meus tempos de infância. Sem perceber, as lágrimas ganharam o rosto e lembraram do caminho percorrido para comprar pastel em uma banca, que eu com meus poucos mais de um metro e meio enxergava.
A presença do meu avô era a mais forte falta que eu sentia em caminhar pelas manhãs de sábado na feira. Naqueles tempos, costumava perguntar sobre a sujeira na rua. - vovô dizia ser pelo transporte dos feirantes, que deixavam folhas e frutas podres caídas pelo chão.
No último domingo caminhei até o colégio eleitoral para votar. As ruas todas emporcalhadas por santinhos de postulantes a candidatos, que acabam desaparecendo na mesma velocidade em que apareceram. Desta vez sozinho, adentrei ao pátio do colégio e ali alguns santinhos no chão.
Lembro da primeira vez em que indaguei o meu pai sobre o nome destes papeizinhos com foto, nome e poucas palavras. A sua falta de paciência falou mais alto e ele respondeu - todos santos. Cresci na inocência de saber que os santos não são apenas imagens em igrejas, estão muitas vezes pelo chão, pisoteados pelas mesmas pessoas que os elegem.
Lá na frente a senhora se despede do vendedor e promete voltar na próxima semana. Antes de ultrapassar a fronteira da barraca, diz que desde que o quilo da batata não suba. Com um ar suspeito, ele agradece e pensa em alguma persuasão para a próxima semana. Certamente diferente daquela que está acostumado encontrar duas vezes ao dia, principalmente nesta época do ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário