domingo, 4 de setembro de 2011

Epitáfio



     [foto de Washington C Takeuchi - www.circulandoporcuritiba.com.br] 

Há trinta e um dias, o meu avô materno completava 87 anos, cercado de familiares, netos, bisnetos e alguns amigos. No dia seguinte, os mesmos velavam o seu corpo em uma capela do Cemitério do Abranches. A quantidade de horas entre o aniversário e a morte foi exatamente de um dia. Talvez o maior contraste da sua morte foi a disposição da vida que sempre o acompanhou. Não era do time dos assíduos idosos clientes dos consultórios médicos, costumava dizer que seu sangre bugre era o responsável pela vitalidade.

Aprendeu cedo a viver zelando pelos outros, aos oito anos, órfão de mãe precisava cuidar dos outros irmãos, obrigações para um primogênito. Ainda sem o buço preenchido  pelos fios grossos de barba começou a trabalhar nas lavouras de cana em Ipiranga, cidadezinha na região de Ponta Grossa. Casou-se e criou seus seis filhos e mais três sobrinhos. Funcionário da construção civil, usava as folgas do final de semana para reformar a casa pequena de madeira em um bairro da região norte de Curitiba. Com o tempo conseguiu terminar – prendado, usou os dotes de marceneiro e fez guardas roupas, camas, casinha de cachorro e a mesa da cozinha, que sempre julgou ser um lugar sagrado para o encontro da família, por mais que preferisse ver as pessoas juntas de longe. Isso se tornou uma espécie de identidade do meu avô paterno, que com aforismos populares deixou o seu legado para todos nós: meu carro é movido com feijão e cagou-se o PTB, são parte do conjunto imprescindível. A sua morte foi um choque principalmente para todos nós que enxergávamos ali a significação diferente dos dicionários para a eternidade.

Um dos segredos da vida é este, crescemos com a ideia de que não vamos perder as pessoas amadas, preferindo acreditar que a morte é algo distante. Isso desconcerta nós todos, entendível, afinal não estamos preparados para perdas, por mais que a natureza humana seja a única comprovadamente racional. Este pensamento somente ocorreu no momento em que o tumulo era fechado – paradoxo de quem sempre usou as mãos para concluir suas próprias obras.

Em tempos que a expectativa de vida das pessoas está futuramente associada para um milênio, conforme o biogerontologista inglês Audrey de Grey, talvez a morte na modernidade seja os meros descuidos diários. Aquilo que o poeta satírico romano Juvenal chamou de mens sana in corpore sanouma mente sã num corpo são, mostra que já no século I a essência da medicina ortomolecular estava na sátira latina. As etapas da vida tem narradores diferentes, que frequentemente estão apoiados nos causos e contos – passamos de ouvintes de uma narração em terceira pessoa para com o passar dos anos chegar a primeira pessoa, evocando igualmente a um casmurro o sentido da vida, que Segimundo indaga em uma prisão: Qué es la vida? Un frenesí. ¿Qué es la vida? Una ficción.

Longe de saber qual o sentido e a durabilidade da vida, mesmo quando a ciência moderna traz a tona do debate os mil anos que as pessoas podem viver, fazendo com que muitas pessoas pensem realmente qual o sentido de um milênio de vida para quem normalmente busca nas invenções o melhor de uma vida na infância, respostas que nenhum gene pode responder. Adão o personagem bíblico morreu com 930 anos, segundo textos históricos e bíblicos, nem ele mesmo conseguiu os mil anos, diria o meu avô.














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