domingo, 17 de julho de 2011

A verdade está dentro




Acordo cedo no domingo, prezo por não olhar o relógio de pulso, mas os latidos dos cachorros vizinhos alarmam que o dia apenas começa. Que os cães criados dentro dos limites dos muros são fontes de estranhezas, não há duvidas. Portanto quando os cães vira latas latem, apenas querem alertar qualquer coisa sem alguma pretensão, pois a rua exige essa indiferença, diferentemente dos nossos cães domésticos. Poderia começar pela estranheza que está aqui dentro, mas cercado pelas lembranças que vocês impregnam, este espaço mesmo sem vocês é a casa de vocês (perdoe a repetição, aqui ela se fez necessária).
Nesta manhã de 19° em pleno inverno curitibano, começo pela história de vocês, primeiramente um personagem ultrapassando o meio século de vida com alguma folga, enquanto a outra personagem abre a janela da casa dos vinte anos. A esta altura o táxi laranja já está estacionado no outro lado da cidade, diferente dos outros domingos, carregando pessoas e histórias, hoje ele está embaixo de uma árvore no outro extremo da cidade. Quantos contos e personagens, viagens, corridas não pagas, gorjetas de gente pobre – uma vida é pouco, nem com bandeira dois, é possível contar. Pois é, taxistas são o voyeur da realidade urbana, se não passa pelos bancos do carro, passam pelos olhos prestados a atenção nos outros sujeitos do trânsito. Lembro que quando pequeno acordava no meio da madrugada com você colocando o cobertor sobre as minhas finas pernas. Depois, quando eu fiquei um pouco maior, acordava no meio da noite preocupado se você já havia retornado do trabalho – caminhava até o quarto, vê-lo roncando era o meu passaporte para voltar aos sonhos.
Disseram certa vez que todo menino encontra o super herói nas telas do cinema, outros nos esportes, principalmente no futebol, olha que nas palavras de um cinéfilo e um inveterado amante do esporte que o Carlos Heitor Cony definiu em forma de religião:  Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil perder a Copa do Mundo no Maracanã”, meu super herói é você, sempre há de ser, nenhum roteiro de Posolini seria capaz de encontrar justificativa no amor que sinto por você.
Praticamente três semanas sem conversar com você, por estas inconveniências cotidianas, criei uma espécie de autoexilio, hoje, percebo o quanto autoritário e pedante foi querer distanciar presença, calando palavras – mas, hei, os sentimentos sempre foram verdadeiros, para eles, há amor, como sempre falamos um para o outro. Nas idas e vindas da sua pré-escola, tempos em que subíamos a Leonardo Cobbe de mãos dadas sem os olhares curiosos de terceiros. Para depois, quando andávamos abraçados na saída de algum lugar, as pessoas ousarem perguntar: são namorados. De certa forma eles estavam certos, nossa década de diferença reflete essas coisas, como eu levar você ao cinema para assistir o Nemo, saindo de lá com o capuz do moletom cheio de pipoca jogadas por crianças se divertindo mais com isso que com as histórias do Bruce, aquele tubarão com pose de machão e chorão.
Quando em quando, fiz parte de responsável por você, sendo uma vitima dentro de shows que eu não gostava, sempre deixando isso bem claro – mas sem o direito de reclamar, afinal, quem a fez ouvir o rock de cada dia, fui eu.
Aqui nesta casa sem vocês, não é fácil, o relógio marca o silêncio, os cachorros agora dormem, apenas eu continuo aqui. Se vocês são personagens, até podem acreditar que sejam, de certa forma, são mesmo, principalmente aqui.
Mas para mim vocês são os autores disso tudo resumido nesta crônica dominical, meu pai e minha irmã – Francisco Carlos Scuissiatto e Karine Scuissiatto, personagens do texto, pessoas que fazem parte do melhor da minha vida, aniversariando no mesmo dia.
O narrador está pelo texto, enquanto eu vou para o outro lado da cidade almoçar em um churrasco com eles. Ao lado das pessoas que são uma parte da minha vida, a outra está com a minha Priscila Schonberger, também aniversariante neste mesmo julho.    


domingo, 10 de julho de 2011

Dois mapas




A primeira vez que se perdeu não soube muito bem o que fazer. Isso deveria ser a razão trazida por todos os insensatos sentidos aprendidos com a vida. Mas ao sentir aquele gosto adoçado demais do chá, oprimia os erros que soavam verdades.

Pela ordem nada civilizada dos dias frios, resgatou dos guarda-roupas umas peças ganhas de uma antiga amiga. Nada era mais confortável que sair de casa bem protegida do inverno, que segundo os anúncios meteorológicos era o mais forte dos últimos dez anos.

Nas ruas o ar quente saído das bocas das pessoas forma o fenômeno que lembra os balões de falas em histórias em quadrinhos – um ponto chamativo para os turistas. Eles lotam a cidade com sua visão romântica do frio, herança dos filmes americanos, quando correr no Central Park e ver neve nos filmes infantis é algo doce.

Na verdade escreveria um texto que pudesse ser quente, algo que as crianças que caminham para um dia de aulas, ou mesmo os trabalhadores contariam para os colegas no cafezinho. Um parágrafo isolante, distante de todo e qualquer risco de sentir um ventinho a mais beliscar o dedo desprotegido.

Quando o ponteiro do relógio marcasse dez horas, sairia da saleta, atravessaria a rua, olhando atentamente para os dois lados, chegaria na floricultura com o preço mais em conta no centro da cidade – pediria descontos no ramo de rosas pechinchado em um telefonema. Ao chegar no trabalho, teria que dizer que uma senhora a pediu para ficar com as flores, pois ela iria ao um advogado para discutir questões referentes ao seu divórcio. Uma mulher de meia idade chegar no escritório segurando rosas, poderia ser interpretado como qualquer coisa que o direito julgue necessário. Mentiria para eles, jamais precisaria dizer a verdade, historicamente, somos obrigados pela verdade a sempre estar atento na realidade coesa das coisas.

Naquele dia não sairia mais de sua mesa de trabalho, apertaria as pernas quanto sentisse vontade de urinar, não permitiria mais perguntas sobre o ramalhete que estava ao lado dos seus pés.

O cachecol envolto em um nó torto cobria o pescoço, já sem cheiro, demonstrava o guarda-roupa de mais de um ano. Sem um mapa nas mãos, quis sempre homenagear os andarilhos gentis sem saber dos mapas do acaso, mas os dedos duros de frio – ritmando contra o calor exaurido das palavras.

A quentura de uma chaleira com água para mais um chá, o som da falta de pontuação, enganos vestidos pela velha amizade.

Umas simples rosas compradas com desconto – sorriu espantando o frio acumulado do inverno. Continuaria a ser perder toda vez que precisasse de uma palavra para esconder as noites frias.































domingo, 3 de julho de 2011

Antes de segunda



O assunto do começo de semana vai ser o frio, não adianta a gente querer mudar o discurso, pois os dedos da mão gelada irão lembrar – uma crônica atrasada. O que era para ser na sexta-feira, saiu apenas um pouco antes da virada do domingo.

Tudo o que era ontem/anteontem/fiz hoje, desviando pelos espaços em que o vento gelado sopra com menos intensidade. Mas aparentemente qual a relação do frio e da crônica? Nenhum eu diria, todos o narrador reclamaria.

Somado a isso, previsivelmente as leituras atrasadas, apesar que uma vida é pouco para ter leituras em dia. Contrário a isso, a escritura, boa ou ruim, necessária. Ser levado pelas palavras é dar vazão aos sentidos que uma crônica nos faz ver.

O inverno é o roteiro que um filme de suspense cria com os mais variados efeitos e custos milionários em Hollywood. Uma andada pela cidade durante a tarde e pombas na torre de uma igreja se camuflam pela neblina. Com o voyeurismo candango fecha o guarda chuva para sentir as gotículas no rosto.

Nas previsões do tempo, a moça responsável pelos apontamentos no mapa normalmente é crucificada pelos erros percebidos na manhã seguinte – se for para sentir frio, pior para ela.

Para um começo frio de crônica, as quase rasas palavras não foram suficientes para esquentar a temperatura, que encontro ali nas páginas surradas daquele romance emprestado.