Acordo cedo no domingo, prezo por não olhar o relógio de pulso, mas os latidos dos cachorros vizinhos alarmam que o dia apenas começa. Que os cães criados dentro dos limites dos muros são fontes de estranhezas, não há duvidas. Portanto quando os cães vira latas latem, apenas querem alertar qualquer coisa sem alguma pretensão, pois a rua exige essa indiferença, diferentemente dos nossos cães domésticos. Poderia começar pela estranheza que está aqui dentro, mas cercado pelas lembranças que vocês impregnam, este espaço mesmo sem vocês é a casa de vocês (perdoe a repetição, aqui ela se fez necessária).
Nesta manhã de 19° em pleno inverno curitibano, começo pela história de vocês, primeiramente um personagem ultrapassando o meio século de vida com alguma folga, enquanto a outra personagem abre a janela da casa dos vinte anos. A esta altura o táxi laranja já está estacionado no outro lado da cidade, diferente dos outros domingos, carregando pessoas e histórias, hoje ele está embaixo de uma árvore no outro extremo da cidade. Quantos contos e personagens, viagens, corridas não pagas, gorjetas de gente pobre – uma vida é pouco, nem com bandeira dois, é possível contar. Pois é, taxistas são o voyeur da realidade urbana, se não passa pelos bancos do carro, passam pelos olhos prestados a atenção nos outros sujeitos do trânsito. Lembro que quando pequeno acordava no meio da madrugada com você colocando o cobertor sobre as minhas finas pernas. Depois, quando eu fiquei um pouco maior, acordava no meio da noite preocupado se você já havia retornado do trabalho – caminhava até o quarto, vê-lo roncando era o meu passaporte para voltar aos sonhos.
Disseram certa vez que todo menino encontra o super herói nas telas do cinema, outros nos esportes, principalmente no futebol, olha que nas palavras de um cinéfilo e um inveterado amante do esporte que o Carlos Heitor Cony definiu em forma de religião: “Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil perder a Copa do Mundo no Maracanã”, meu super herói é você, sempre há de ser, nenhum roteiro de Posolini seria capaz de encontrar justificativa no amor que sinto por você.
Praticamente três semanas sem conversar com você, por estas inconveniências cotidianas, criei uma espécie de autoexilio, hoje, percebo o quanto autoritário e pedante foi querer distanciar presença, calando palavras – mas, hei, os sentimentos sempre foram verdadeiros, para eles, há amor, como sempre falamos um para o outro. Nas idas e vindas da sua pré-escola, tempos em que subíamos a Leonardo Cobbe de mãos dadas sem os olhares curiosos de terceiros. Para depois, quando andávamos abraçados na saída de algum lugar, as pessoas ousarem perguntar: são namorados. De certa forma eles estavam certos, nossa década de diferença reflete essas coisas, como eu levar você ao cinema para assistir o Nemo, saindo de lá com o capuz do moletom cheio de pipoca jogadas por crianças se divertindo mais com isso que com as histórias do Bruce, aquele tubarão com pose de machão e chorão.
Quando em quando, fiz parte de responsável por você, sendo uma vitima dentro de shows que eu não gostava, sempre deixando isso bem claro – mas sem o direito de reclamar, afinal, quem a fez ouvir o rock de cada dia, fui eu.
Aqui nesta casa sem vocês, não é fácil, o relógio marca o silêncio, os cachorros agora dormem, apenas eu continuo aqui. Se vocês são personagens, até podem acreditar que sejam, de certa forma, são mesmo, principalmente aqui.
Mas para mim vocês são os autores disso tudo resumido nesta crônica dominical, meu pai e minha irmã – Francisco Carlos Scuissiatto e Karine Scuissiatto, personagens do texto, pessoas que fazem parte do melhor da minha vida, aniversariando no mesmo dia.
O narrador está pelo texto, enquanto eu vou para o outro lado da cidade almoçar em um churrasco com eles. Ao lado das pessoas que são uma parte da minha vida, a outra está com a minha Priscila Schonberger, também aniversariante neste mesmo julho.
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