Tinha a mania de não deixar os sapatos na porta da entrada. Acreditava que a mania não era nada mais que uma tradição familiar. No tapetinho com o dizer “bienvenido” laranja, pouco do pó vermelho da sola das sandálias permanecia.
Pela rodoviária da antiga capital do café, enganado pelo frio atípico do
pseudo verão, bebia lentamente um café com pouco leite comprado na lanchonete
do local. Não tome café em rodoviárias – era a sentença da sua mãe. Sem chances
para lembrar dos conselhos, pediu também um pão frito – pouca margarina, pediu.
O jornal da semana passada, nada pode ser pior, notícias que já se
tornaram baluartes das sabatinas disparadas por aí. Dessa vez o herói da
invasão da USP ou o culpado pode vai depender de que lado você está. Em uma
época em que tudo se dilui, admitir um posicionamento político é algo beirando
uma piadola. Não vamos refutar o politicamente correto, nem questionar o tal
humor inteligente feito no Brasil, mas ao presenciar a situação na invasão da reitoria
da Universidade de São Paulo, uma das faixas chamava atenção: “ninguém está
acima da lei, só os políticos corruptos do Brasil”. A interpretação é um estado livre, por mais
que conste na história de muitos homens o contrário disso.
Dois senhores tomando o seu café – um deles reclamando do sabor não ter
mais a essência de outras décadas, enquanto o outro, culpando a falta da geada
no inverno, quando sacas de café eram perdidas. Espectador, acabei desviando o
foco do noticiário televisivo, prestando atenção na prosa dos dois homens.
Outro dia, a deriva em um ônibus cheio no trecho entre Londrina e Ponta
Grossa, antes de chegar no primeiro dos muitos pedágios, vi que a reitoria da
USP tinha sido retomada com intervenção da polícia. Nestes formatos enquadrados
na tela de celulares toda notícia parece menor do que é. Na margem da reportagem, a fala de um
governador, dizendo sobre democracia.
Quando passou a chuva, inexplicavelmente o sinal da internet caiu. Sem
conseguir sinal, nem ligar para avisar sobre a chegada na cidade consegui. Mais
rápido que a mudança brusca do tempo, foi à tecnologia da operadora de celular.
Voltei na conversa dos dois senhores na rodoviária de Londrina – não
precisamos de tempo, mas precisamos do agora para comparar com o passado. O vapor
do café no copo de pingado e as notícias não atrasadas – a democracia do final
de semana.
[crônica escrita especialmente para a Coluna "Chacalho de Palavras", do site Cultura Plural]
[crônica escrita especialmente para a Coluna "Chacalho de Palavras", do site Cultura Plural]
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