domingo, 27 de fevereiro de 2011

Scliar


Chovia. Uma fina chuva pairava sobre Cascavel naquele outubro de 2009. Com o horário de verão vigorando, a noite entardecia sem o auxilio dos relógios.

O dia tivera começado após uma viagem desgastante durante a madrugada – pela manhã já participava de uma conferência sobre a literatura na América Latina. Esse primeiro evento do dia me obriga a mencionar um bate boca com aspas entre um professor e um jornalista pela influência do gaucho na literatura latina. De um lado a defesa é que ela surgiu com Martín Fierro, já o outro defendia a influência dos romances do Érico Veríssimo para nossa literatura. Acompanhando os comentários mais exaltados alguns bocejavam no pequeno auditório lotado. Outros programavam a tarde, que seria de descanso ou apresentações.

No intervalo do almoço consegui um tempo para subir ao quarto do hotel e tomar um banho, que me libertava da madrugada no ônibus e da acalorada discussão matinal na Unioeste. Ao sair do restaurante na Avenida Brasil encontrei dois professores que acabavam de chegar da cidade princesina, um deles, Miguel Sanches Neto falaria sobre a literatura paranaense na manhã seguinte. Fiz a indicação do restaurante para eles, confesso que nunca perguntei se gostaram ou não. Retornei para mais uma tarde no congresso, dessa vez assisti algumas comunicações e conversei muito com professores amigos.

A vida em eventos da área de letras é movimentada normalmente pelos nomes que participam isso ocorre em outras áreas, mas nas letras, comumente encontramos mesas redondas com teóricos da literatura, lingüistas e escritores de literatura, que são parte do nosso dia a dia com a leitura exigida na universidade e na descompromissada também.

A conferência de abertura ocorreu na noite do primeiro dia de atividades com os escritores Moacyr Scliar e Luiz Ruffato. O tema foi: A literatura na América Latina. Primeiramente Rufatto fez uma bela fala amparada nos conceitos da história literária. Porém, o auditório lotado ansioso aguardava a fala do Scliar. Neste momento surgiu uma dúvida: será que o romancista, contista, cronista e imortal da Academia Brasileira de Letras faria uma fala pautada em conceitos literários. A resposta não demorou mais de vinte segundos, sorrindo ao segurar o microfone, abriu um copo de água e rindo disse boa noite. Depois disso, boas histórias foram contadas, inclusive passagens pelo exercício do começo da vida de médico e a censura daqueles idos no Brasil. Bonachão, escorregando pela cadeira o autor falou da sua relação com Gabriel Garcia Marquez, os cafés com o Érico Verissimo e as piadas com Mario Quintana. Ali, tive a certeza da quebra de protocolo, porém com as ótimas histórias relatadas pelo Scliar, todos ficamos em dúvida sobre qual era mesmo o tema da mesa.

Na madrugada em que soube da morte do escritor, relembrei que por um acaso comandado por quem gerenciava a viagem para Cascavel, quando dispensou o ônibus da universidade, alegando que “ninguém” teria interesse em participar da conferência de abertura, quase fiquei de fora deste encontro com o Scliar.

Hoje sei que esse foi o primeiro e único encontro com o autor. Muitos outros serão pelos romances, contos e crônicas nas leituras e diversas releituras.





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