quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Estratégias



Crônica publicada originalmente no site Cultura Plural, coluna: Chocalho de Palavras, 06/12/2011.
Nunca sai de casa sem levar o guarda-chuva nos últimos vinte anos. E assim tem sido, se vejo pela vidraça da janela do escritório uma pequena nuvem aparentemente carregada, não tem jeito, pego este objeto incomodável para ser a amante de mãos dadas pela cidade. A chuva que ameaçava cair, cada pingo uma ópera para musicais hollywoodianos. E pelos outdoors a propaganda do motel com os sete, oito parcelamentos no cartão de crédito, provocando estranheza de alguns alunos na espera da condução que os leva de volta para casa depois de mais uma semana de cursinho pré-vestibular. Pensei, não que seja um erro, mas existe um paradoxo dividido pelo começo de uma avenida conhecida do centro da cidade. Quadras acima, descobri nesta mesma semana, que a primeira rodoviária da cidade é no local em que hoje funciona um dos jornais, os guichês de compra de passagens, ficavam no espaço em que encontramos parte do comércio – lanchonete, livraria e uma loja de malhas. Adiante, mais exato uma quadra acima, o primeiro cemitério.
A cultura histórica não li nas páginas ou em consultas na biblioteca municipal, por mais que muitas vezes a chave do conhecimento esteja decifrada pelo toque dos nossos dedos - livros, teclado do computador, é com a prosa e por ela que aprendemos. O cuidado com as historietas pode salvar um exilado com guarda-chuva nas mãos. “Proibido entrar com animais” – afirma a placa na entrada da farmácia, uma delas pelo menos tem isso na porta principal. Adiante, chocolates, bolachas doces, açucares variados. “Cuidado, açúcar”, slogan de um creme dental em promoção pague 2 e leve 3. A atendente pergunta se não vou levar chocolate hoje – meu riso deve ser traduzido por “é óbvio”.
Nos dias de instabilidade do veranico com os ponteiros no horário de verão,  não sabemos se o guarda-chuva é a melhor proteção que qualquer filtro solar, ou um dos recursos contra as pancadas de chuva que costumam acobertar a cidade. Uma fórmula infalível para não perder o rumo das andanças é adquirir hábitos de não sair em dias com cheiro de chuva. A minha avó sempre dizia isso, nunca entendi direito essas coisas. Mais fácil saber de signos, não pergunte o meu, pouco sei dele, e desconfio que as previsões estão todas mais preocupadas em saber de 2012.
Na segunda-feira; tempo bom. Terça; poucas nuvens. Quarta; ninguém sabe nada. Quinta; o dia começou com céu limpo. Sexta; cansado, ventos fortes. Sábado; últimos do ano. Domingo; comprar guarda-sol.
Estou sem tempo e fiz uma listinha semanal, enquanto o barulho dos carros na madrugada na mesma avenida dos outros causos, não é moda com sonoridade musical, mas algo comportamental. Depois, guarda-chuva sempre incomoda apenas quem o carrega.  Uma nuvem, quase 01:28, sábado. 

domingo, 13 de novembro de 2011

Três assuntos




Tinha a mania de não deixar os sapatos na porta da entrada. Acreditava que a mania não era nada mais que uma tradição familiar. No tapetinho com o dizer “bienvenido” laranja, pouco do pó vermelho da sola das sandálias permanecia.
Pela rodoviária da antiga capital do café, enganado pelo frio atípico do pseudo verão, bebia lentamente um café com pouco leite comprado na lanchonete do local. Não tome café em rodoviárias – era a sentença da sua mãe. Sem chances para lembrar dos conselhos, pediu também um pão frito – pouca margarina, pediu.
O jornal da semana passada, nada pode ser pior, notícias que já se tornaram baluartes das sabatinas disparadas por aí. Dessa vez o herói da invasão da USP ou o culpado pode vai depender de que lado você está. Em uma época em que tudo se dilui, admitir um posicionamento político é algo beirando uma piadola. Não vamos refutar o politicamente correto, nem questionar o tal humor inteligente feito no Brasil, mas ao presenciar a situação na invasão da reitoria da Universidade de São Paulo, uma das faixas chamava atenção: “ninguém está acima da lei, só os políticos corruptos do Brasil”.  A interpretação é um estado livre, por mais que conste na história de muitos homens o contrário disso.
Dois senhores tomando o seu café – um deles reclamando do sabor não ter mais a essência de outras décadas, enquanto o outro, culpando a falta da geada no inverno, quando sacas de café eram perdidas. Espectador, acabei desviando o foco do noticiário televisivo, prestando atenção na prosa dos dois homens.
Outro dia, a deriva em um ônibus cheio no trecho entre Londrina e Ponta Grossa, antes de chegar no primeiro dos muitos pedágios, vi que a reitoria da USP tinha sido retomada com intervenção da polícia. Nestes formatos enquadrados na tela de celulares toda notícia parece menor do que é.  Na margem da reportagem, a fala de um governador, dizendo sobre democracia.
Quando passou a chuva, inexplicavelmente o sinal da internet caiu. Sem conseguir sinal, nem ligar para avisar sobre a chegada na cidade consegui. Mais rápido que a mudança brusca do tempo, foi à tecnologia da operadora de celular.

Voltei na conversa dos dois senhores na rodoviária de Londrina – não precisamos de tempo, mas precisamos do agora para comparar com o passado. O vapor do café no copo de pingado e as notícias não atrasadas – a democracia do final de semana. 

[crônica escrita especialmente para a Coluna "Chacalho de Palavras", do site Cultura Plural] 


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Dez anos depois



*crônica publicada originalmente no site Cultura Plural, coluna Chocalho de Palavras.


A explosão da internet tornou-se a maior vantagem do mundo (ou o contrário, pode ser), e, com os dez anos dos atentados do onze de setembro, fomos atacados novamente pela crise do tempo. Inevitável é não lembrar o que fazíamos naquela tarde de pseudoprimavera.  Pelo menos para mim foi através dos televisores mudos expostos nas vitrines – batendo os pés nos outros transeuntes não compreendíamos nada do que a ancora do plantão vespertino falava, bombardeados pelas imagens dignas de filmes spielbergianos. 
 Talvez o impacto do onze de setembro tenha refletido nas gerações acostumadas e colonizadas pelos filmes americanos de guerra, normalmente colocando os Estados Unidos como a suprema fortaleza, algo já visto nas brincadeiras de “forte apache” (em miniatura) no tapete sala com os indiozinhos em confronto com os cavaleiros americanos. Sem saber nada de geopolítica estávamos diante de questões históricas, que arremataram a inocência daquelas brincadeiras após o western Fort Apache (1948), de John Ford, anos depois.
Em uma época de pós, mesmo com algumas refutações teóricas sobre o conceito de pós-moderno, não há como negar: uma década depois dos atentados o mundo teve mudanças sistemáticas, principalmente nas ferramentas de informações pela internet. Em março deste ano, presenciamos praticamente ao vivo o tsunami que atingiu o Japão, devastando várias cidades. Certamente foi a primeira atrocidade que teve grande parte das lentes do mundo, três anos depois do episódio em Nova York foi a vez de Madrid, capital espanhola, sofrer com o terrorismo dentro dos vagões de metrôs.
 Porém, foi com a invasão do Iraque por tropas americanas e a deposição seguida do assassinato do ditador Saddam Hussein, que novamente trouxe o bombardeio de tudo aquilo iniciado naquela tarde de 2001, deixando a sensação do alcance da internet ter atingido o seu primeiro “boom” noticiando uma guerra.
 O grande exemplo ocorreu no começo de maio deste ano, quando o presidente americano Barack Obama anunciou a morte de Osama Bin Laden, durante uma operação no Paquistão. Identificado como o grande responsável pela queda das torres do World Trade Center, tornando-se o inimigo número um dos americanos e do restante do mundo. Como espectadores acostumados à totalidade dos fatos, não ter a certeza da morte do fundador da Al- Qaeda, nos joga no terreno das desconfianças surgidas com a internet.
 Dez anos depois, ainda é melhorar cantarolar: eu detesto George Bush desde a Guerra do Kwait, conforme Zeca Baleiro e Chico César. Se quiser deixar as coisas mais light: quero adoçar a minha sina, que viver tá muito diet.

domingo, 4 de setembro de 2011

Epitáfio



     [foto de Washington C Takeuchi - www.circulandoporcuritiba.com.br] 

Há trinta e um dias, o meu avô materno completava 87 anos, cercado de familiares, netos, bisnetos e alguns amigos. No dia seguinte, os mesmos velavam o seu corpo em uma capela do Cemitério do Abranches. A quantidade de horas entre o aniversário e a morte foi exatamente de um dia. Talvez o maior contraste da sua morte foi a disposição da vida que sempre o acompanhou. Não era do time dos assíduos idosos clientes dos consultórios médicos, costumava dizer que seu sangre bugre era o responsável pela vitalidade.

Aprendeu cedo a viver zelando pelos outros, aos oito anos, órfão de mãe precisava cuidar dos outros irmãos, obrigações para um primogênito. Ainda sem o buço preenchido  pelos fios grossos de barba começou a trabalhar nas lavouras de cana em Ipiranga, cidadezinha na região de Ponta Grossa. Casou-se e criou seus seis filhos e mais três sobrinhos. Funcionário da construção civil, usava as folgas do final de semana para reformar a casa pequena de madeira em um bairro da região norte de Curitiba. Com o tempo conseguiu terminar – prendado, usou os dotes de marceneiro e fez guardas roupas, camas, casinha de cachorro e a mesa da cozinha, que sempre julgou ser um lugar sagrado para o encontro da família, por mais que preferisse ver as pessoas juntas de longe. Isso se tornou uma espécie de identidade do meu avô paterno, que com aforismos populares deixou o seu legado para todos nós: meu carro é movido com feijão e cagou-se o PTB, são parte do conjunto imprescindível. A sua morte foi um choque principalmente para todos nós que enxergávamos ali a significação diferente dos dicionários para a eternidade.

Um dos segredos da vida é este, crescemos com a ideia de que não vamos perder as pessoas amadas, preferindo acreditar que a morte é algo distante. Isso desconcerta nós todos, entendível, afinal não estamos preparados para perdas, por mais que a natureza humana seja a única comprovadamente racional. Este pensamento somente ocorreu no momento em que o tumulo era fechado – paradoxo de quem sempre usou as mãos para concluir suas próprias obras.

Em tempos que a expectativa de vida das pessoas está futuramente associada para um milênio, conforme o biogerontologista inglês Audrey de Grey, talvez a morte na modernidade seja os meros descuidos diários. Aquilo que o poeta satírico romano Juvenal chamou de mens sana in corpore sanouma mente sã num corpo são, mostra que já no século I a essência da medicina ortomolecular estava na sátira latina. As etapas da vida tem narradores diferentes, que frequentemente estão apoiados nos causos e contos – passamos de ouvintes de uma narração em terceira pessoa para com o passar dos anos chegar a primeira pessoa, evocando igualmente a um casmurro o sentido da vida, que Segimundo indaga em uma prisão: Qué es la vida? Un frenesí. ¿Qué es la vida? Una ficción.

Longe de saber qual o sentido e a durabilidade da vida, mesmo quando a ciência moderna traz a tona do debate os mil anos que as pessoas podem viver, fazendo com que muitas pessoas pensem realmente qual o sentido de um milênio de vida para quem normalmente busca nas invenções o melhor de uma vida na infância, respostas que nenhum gene pode responder. Adão o personagem bíblico morreu com 930 anos, segundo textos históricos e bíblicos, nem ele mesmo conseguiu os mil anos, diria o meu avô.














segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ficção ao vivo


A cidade lá embaixo da minha janela é gelada nesta sexta feira. Está certo, meteorologistas são previsíveis, mas desta vez, admito: eles acertaram, tempo frio com chuviscos que nem parecem o cenário da chuva forte iniciada há mais de 24 horas.
Carros apressados, a rotina do final de semana, não quer reprise, pensa em chegar em casa logo, futebol, não, isso é nas quartas, seu time é da primeira divisão, pensa em zoar o amigo com time rebaixado e os jogos na sexta.
Com a esposa ausente, ela trocou a noite ao seu lado para acompanhar a mãe em um supermercado 24 horas no outro extremo da cidade, amanhã alguns primos da sua tia se hospedam na casa da sua mãe – casamento de uma vizinha amiga dos tempos de dificuldade com a suspensão da poupança por um ex-presidente.
Aqui, não há nada, o silêncio dos apartamentos vizinhos é a sentença, não tem futebol, mas último capítulo da novela das nove. Ri no seu tempo de televisão se falava, novela das oito, está certo, vai ver que o tempo é diferente a cada geração.
Insatisfeito com a presença solo, pega o controle remoto e começa zapear pelos diversos canais, pagos graças algumas horas extras no trabalho o final de semana. Normalmente passa por diversos canais no menor tempo possível, aprendeu que passando de um para outro, descobre programas novos, que normalmente durante a semana com mais pessoas em casa não consegue.
Na propaganda de uma cerveja com seus atores todos felizes e jogando sinuca, tocando uma música dos seus tempos de bailinho adolescente, começa a se sentir diferente. Na verdade o riff da sua primeira música aprendida em uma guitarra para canhotos com cordas para destros é começo do fim. Talvez sua única saudade no horário nobre. Até aqui, quem matou a Norma?
Ponta Grossa, 21h36, 19/08/2011
publicado originalmente no Blog Repúblicas do Brasil em 19/08, às 21h56

domingo, 17 de julho de 2011

A verdade está dentro




Acordo cedo no domingo, prezo por não olhar o relógio de pulso, mas os latidos dos cachorros vizinhos alarmam que o dia apenas começa. Que os cães criados dentro dos limites dos muros são fontes de estranhezas, não há duvidas. Portanto quando os cães vira latas latem, apenas querem alertar qualquer coisa sem alguma pretensão, pois a rua exige essa indiferença, diferentemente dos nossos cães domésticos. Poderia começar pela estranheza que está aqui dentro, mas cercado pelas lembranças que vocês impregnam, este espaço mesmo sem vocês é a casa de vocês (perdoe a repetição, aqui ela se fez necessária).
Nesta manhã de 19° em pleno inverno curitibano, começo pela história de vocês, primeiramente um personagem ultrapassando o meio século de vida com alguma folga, enquanto a outra personagem abre a janela da casa dos vinte anos. A esta altura o táxi laranja já está estacionado no outro lado da cidade, diferente dos outros domingos, carregando pessoas e histórias, hoje ele está embaixo de uma árvore no outro extremo da cidade. Quantos contos e personagens, viagens, corridas não pagas, gorjetas de gente pobre – uma vida é pouco, nem com bandeira dois, é possível contar. Pois é, taxistas são o voyeur da realidade urbana, se não passa pelos bancos do carro, passam pelos olhos prestados a atenção nos outros sujeitos do trânsito. Lembro que quando pequeno acordava no meio da madrugada com você colocando o cobertor sobre as minhas finas pernas. Depois, quando eu fiquei um pouco maior, acordava no meio da noite preocupado se você já havia retornado do trabalho – caminhava até o quarto, vê-lo roncando era o meu passaporte para voltar aos sonhos.
Disseram certa vez que todo menino encontra o super herói nas telas do cinema, outros nos esportes, principalmente no futebol, olha que nas palavras de um cinéfilo e um inveterado amante do esporte que o Carlos Heitor Cony definiu em forma de religião:  Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil perder a Copa do Mundo no Maracanã”, meu super herói é você, sempre há de ser, nenhum roteiro de Posolini seria capaz de encontrar justificativa no amor que sinto por você.
Praticamente três semanas sem conversar com você, por estas inconveniências cotidianas, criei uma espécie de autoexilio, hoje, percebo o quanto autoritário e pedante foi querer distanciar presença, calando palavras – mas, hei, os sentimentos sempre foram verdadeiros, para eles, há amor, como sempre falamos um para o outro. Nas idas e vindas da sua pré-escola, tempos em que subíamos a Leonardo Cobbe de mãos dadas sem os olhares curiosos de terceiros. Para depois, quando andávamos abraçados na saída de algum lugar, as pessoas ousarem perguntar: são namorados. De certa forma eles estavam certos, nossa década de diferença reflete essas coisas, como eu levar você ao cinema para assistir o Nemo, saindo de lá com o capuz do moletom cheio de pipoca jogadas por crianças se divertindo mais com isso que com as histórias do Bruce, aquele tubarão com pose de machão e chorão.
Quando em quando, fiz parte de responsável por você, sendo uma vitima dentro de shows que eu não gostava, sempre deixando isso bem claro – mas sem o direito de reclamar, afinal, quem a fez ouvir o rock de cada dia, fui eu.
Aqui nesta casa sem vocês, não é fácil, o relógio marca o silêncio, os cachorros agora dormem, apenas eu continuo aqui. Se vocês são personagens, até podem acreditar que sejam, de certa forma, são mesmo, principalmente aqui.
Mas para mim vocês são os autores disso tudo resumido nesta crônica dominical, meu pai e minha irmã – Francisco Carlos Scuissiatto e Karine Scuissiatto, personagens do texto, pessoas que fazem parte do melhor da minha vida, aniversariando no mesmo dia.
O narrador está pelo texto, enquanto eu vou para o outro lado da cidade almoçar em um churrasco com eles. Ao lado das pessoas que são uma parte da minha vida, a outra está com a minha Priscila Schonberger, também aniversariante neste mesmo julho.    


domingo, 10 de julho de 2011

Dois mapas




A primeira vez que se perdeu não soube muito bem o que fazer. Isso deveria ser a razão trazida por todos os insensatos sentidos aprendidos com a vida. Mas ao sentir aquele gosto adoçado demais do chá, oprimia os erros que soavam verdades.

Pela ordem nada civilizada dos dias frios, resgatou dos guarda-roupas umas peças ganhas de uma antiga amiga. Nada era mais confortável que sair de casa bem protegida do inverno, que segundo os anúncios meteorológicos era o mais forte dos últimos dez anos.

Nas ruas o ar quente saído das bocas das pessoas forma o fenômeno que lembra os balões de falas em histórias em quadrinhos – um ponto chamativo para os turistas. Eles lotam a cidade com sua visão romântica do frio, herança dos filmes americanos, quando correr no Central Park e ver neve nos filmes infantis é algo doce.

Na verdade escreveria um texto que pudesse ser quente, algo que as crianças que caminham para um dia de aulas, ou mesmo os trabalhadores contariam para os colegas no cafezinho. Um parágrafo isolante, distante de todo e qualquer risco de sentir um ventinho a mais beliscar o dedo desprotegido.

Quando o ponteiro do relógio marcasse dez horas, sairia da saleta, atravessaria a rua, olhando atentamente para os dois lados, chegaria na floricultura com o preço mais em conta no centro da cidade – pediria descontos no ramo de rosas pechinchado em um telefonema. Ao chegar no trabalho, teria que dizer que uma senhora a pediu para ficar com as flores, pois ela iria ao um advogado para discutir questões referentes ao seu divórcio. Uma mulher de meia idade chegar no escritório segurando rosas, poderia ser interpretado como qualquer coisa que o direito julgue necessário. Mentiria para eles, jamais precisaria dizer a verdade, historicamente, somos obrigados pela verdade a sempre estar atento na realidade coesa das coisas.

Naquele dia não sairia mais de sua mesa de trabalho, apertaria as pernas quanto sentisse vontade de urinar, não permitiria mais perguntas sobre o ramalhete que estava ao lado dos seus pés.

O cachecol envolto em um nó torto cobria o pescoço, já sem cheiro, demonstrava o guarda-roupa de mais de um ano. Sem um mapa nas mãos, quis sempre homenagear os andarilhos gentis sem saber dos mapas do acaso, mas os dedos duros de frio – ritmando contra o calor exaurido das palavras.

A quentura de uma chaleira com água para mais um chá, o som da falta de pontuação, enganos vestidos pela velha amizade.

Umas simples rosas compradas com desconto – sorriu espantando o frio acumulado do inverno. Continuaria a ser perder toda vez que precisasse de uma palavra para esconder as noites frias.































domingo, 3 de julho de 2011

Antes de segunda



O assunto do começo de semana vai ser o frio, não adianta a gente querer mudar o discurso, pois os dedos da mão gelada irão lembrar – uma crônica atrasada. O que era para ser na sexta-feira, saiu apenas um pouco antes da virada do domingo.

Tudo o que era ontem/anteontem/fiz hoje, desviando pelos espaços em que o vento gelado sopra com menos intensidade. Mas aparentemente qual a relação do frio e da crônica? Nenhum eu diria, todos o narrador reclamaria.

Somado a isso, previsivelmente as leituras atrasadas, apesar que uma vida é pouco para ter leituras em dia. Contrário a isso, a escritura, boa ou ruim, necessária. Ser levado pelas palavras é dar vazão aos sentidos que uma crônica nos faz ver.

O inverno é o roteiro que um filme de suspense cria com os mais variados efeitos e custos milionários em Hollywood. Uma andada pela cidade durante a tarde e pombas na torre de uma igreja se camuflam pela neblina. Com o voyeurismo candango fecha o guarda chuva para sentir as gotículas no rosto.

Nas previsões do tempo, a moça responsável pelos apontamentos no mapa normalmente é crucificada pelos erros percebidos na manhã seguinte – se for para sentir frio, pior para ela.

Para um começo frio de crônica, as quase rasas palavras não foram suficientes para esquentar a temperatura, que encontro ali nas páginas surradas daquele romance emprestado.



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Em memória do cinema



Um gole de café. A pressa de não ser vista a fez não tomar leite. Estranho para alguém que sentia tanta vontade, ainda mais naquela garrafa de vidro etiquetada. Flash do enquadramento, teias cinematográficas – sua meia calça rasgada e um brilho incandescente no corredor de portas fechadas. Engolida pela ausência e mastigada pelos edifícios do centro da capital paulistana, exteriorizando traços retirados de obras orientais.
Na ajuda ao cego atravessar a avenida movimentada, pouco sabe da responsabilidade ali representada. Três minutos de uma respiração só, nua diante do outro está. Sem nome, as mãos dançam com a música digitalizada do som do computador.
Ainda dentro do mesmo dia, novamente na cozinha, desta vez acompanhada pelas sombras das imagens espalhadas pelo quarto. Porcaria de macarrão seco e grudento, olhando as panelas secas de arroz e feijão, desvela sua raiva – merda.
A velha que etiqueta tudo com o próprio nome está parada diante do móvel com o televisor na copa. O passeio da imagem explode nos nossos olhos, capazes de uma distância irresistível, presenciamos fissuras na parede. Na mão da velha, faturas vencidas de água e telefone.
Elas são dois países vizinhos que não se olham – de vez enquanto, gritos. Dois cafezinhos resolveriam a situação, subjetivamente pensamos. A consciência não pode ser a resposta de tudo aquilo.
No auditório com interferências da rua assistimos a narrativa do filme, contrariando a lógica das sessões de cinema, não foi oferecido pipoca, chocolate, muito menos refrigerantes. Dessa vez não foi o atendimento do celular, mesmo que nos créditos iniciais da película somos alertados pelo patrocínio de uma operadora de telefonia celular.
A tela escurece com os interrogatórios em uma sala da delegacia. Aos poucos percorremos a fragilidade da protagonista, loucura e realidades que cabem em um filme. Nas poltronas não muito confortáveis um público razoável acompanhava o filme em uma tarde ensolarada de sábado – o último antes do inverno.
Ao infinito daquela calçada na beira de uma avenida a personagem deixou a inocência incomoda da juventude. Dizem que os dias frios são mais bonitos.
Os créditos finais caem. A personagem tem seu nome artístico revelado. Espectadores desertores da sessão aproveitam o sol vespertino de sábado, jogando miolos de pão amanhecido para os pombos pela janela do carro.
Elementar, meu caro Watson, diria o detetive Sherlock Holmes.





sábado, 18 de junho de 2011

Cinzas

A crônica esta semana é cinza
Quando a tristeza for menor, quem sabe, isso não seja possível, mas por estes dias, nada melhor que dedicar poucas linhas para um alguém tão importante, que deixou a vida, sem dizer pelo telefone o motivo. Tio Décio, esteja certo, aprendi muito com você, mas sinto uma dor imensa em saber que partiu sem ao menos dizer goodbye. Isso para você deveria ser fácil, sem arranhos da fonética, a quase década nos Estados Unidos, proporcionou isso.

Aqui ficamos com as lembranças. Essas nunca morrem.





sábado, 11 de junho de 2011

Tecnologias



Nascemos sob o signo dos avanços tecnológicos, mesmo nossos antepassados tiveram a petulância de assistir muitos nascimentos, que quem sabe, nossos filhos não irão ter oportunidade. Com todas as esferas da tecnologia, também a muito da obsolescência – uma passadinha em alguma loja de eletrônicos e o celular que conversamos com os irmãos em outras cidades, ainda nas últimas prestações do crediário, já é um modelo ultrapassado, vendido por menos da metade do atual.

Em todos os aniquilamentos do consumismo ultramoderno, nenhum talvez seja maior que os avanços dos teclados dos computadores. Para quem transitou pelas teclas das máquinas de datilografar, estranhamento é a música do movimento dos dedos na digitação atual. Ouso dizer, existe uma ausência de musicalidade nos teclados, quanto mais avançado o modelo, distante ficamos. Nem o café preto com pouco açúcar e os cigarros de filtro amarelo mantém a aura das crônicas passadas.

Comecei a crônica naquela manhã de inverno: Rio de Janeiro, sua cor é suas calçadas, ventos do Arpoador, Copacabana de mim – ela não entendia direito, dizia que o Rio Grande do Sul, mais especificamente, Porto Alegre era melhor, dizia ela. Em galhofa, lhe dizia: Buenos Aires esta mais abaixo. Não, prefiro a Casa Tomada ou o Aleph sem precisar sair do sul – respondia ela.

Com o cotidiano e as reclamações fazemos a viagem de nossas vidas. Na semana passada quando cheguei ao Rio, estranhei pelo fato dos engarrafamentos e o caos no aeroporto. Drummond não fosse uma estátua, diria – havia um carro no caminho. Havia muitos carros no caminho. Já no hotel conectado em uma rede sem fio, voltei sem muito pensar nos idos da primeira visita ao Rio. Antes de começar a cantarolar algum samba de Nelson do Cavaquinho, voltei para as leituras cotidianas.

A tecnologia é capaz de mudar a fisionomia das pessoas, avanços dos sistemas de informação contribuem para agilidade das nossas vidas, mas ainda não existe tecnologia que mude o formato das lembranças e a necessidade de pães da água – uns mais brancos, outros, mais queimados.



sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os pecados de um caminhante







Caminhar, muita gente prática este verbo exaustivamente. É praticamente inconcebível imaginar um mundo sem esses atores guiados por seus pés. Essa constatação sugiu sem uma data definida, talvez em alguma das andanças pela cidade, na qual, sou um especialista.

Ver a cidade pelo plano das ruas é uma tarefa que nós enquanto pedestres não enxergamos. A relação entre ser um caminhante urbano e os espaços da cidade, é mais antigo que as cartilhas do Detran. Pensar que tudo teve inicio em uma manhã chuvosa, quando eu era um dos alunos do grupo do Colégio Vicentino São José, de Curitiba, naquela visita ao pavilhão do DNER. Passado um dia por lá, retornamos para o colégio com a sensação de um aprendizado para a vida.

Anos mais tarde, motorista da vez, percorria quilômetros pela cidade, percebendo as mudanças vistas na infância, quando o instinto de motorista andava apegados aos carrinhos de fricção. O velho sonho de dirigir, se tornou uma espécie de náusea da realidade, congestionando até mesmo em domingos e feriados. Já na fase sem carro, parambulava pelas ruas de Ponta Grossa, achando muito atraente o trânsito local, principalmente com a não tranquilidade de Curitiba e São Paulo, urbes percorridas exaustivamente anteriormente.

Depois de me tornar um pedestre autêntico, pude perceber o valor da figura das pessoas que são caminhantes, não pelo descaso de precisar caminhar em um mundo tão automobilístico, mas pelo azar de pertencer que entre os motoristas, apenas importam outros motoristas em seus carros, mesmo a regra não sendo uma constante verdadeira. Essa condição cresce cada avenida mais, o populismo dos pedestres, parece restrito aos pedaços de calçadas, disputadas com vendedores ambulantes, cachorros, carros mau estacionados, isolamentos da construção civil e telefones públicos abandonados.

Um dos exemplos mais pertinentes ao descaso com os pedestres está relacionada com a faixa de retenção/segurança, que quando não apagada, se torna decorativa marca no asfalto. Adiante dela, a faixa de pedestre, aliás, qual o sentido desta faixa, quando os pedestres que nela estão, poucas vezes tem a preferência diante de motoristas. Sem comparação, mas pode existir algo pior que um sinal verde para o pedestre, desrespeitado pela maioria dos proprietários das ruas. Essa prática é uma comum na saída do estacionamento do Shopping Palladium, quando grande parte dos usuários que saem de carro do shopping, parecem não perceber a existência de um dos poucos sinaleiros para pedestres na cidade.

O know-how de pedestre me torna um analista crítico das ruas, inclusive tentando educar muitos motoristas que não gostam da chamada de atenção, considerando esse pedestre aqui, um entrave do progresso do trânsito princesino.

Quando chego em casa hoje, já com a pauta da crônica, vejo no telejornal da maior emissora do estado, soluções para o trânsito importadas de Amsterdam. Amanhã mesmo vou pesquisar preços de bicicletas - com os equipamentos certos e um capacete em uma cor viva, não serei mais um problema, mas no mínimo dois.





sexta-feira, 20 de maio de 2011

Dias de Roberto Benigni

[imagem retirada do blog Nossa Cara SP - http://nossacarasp.blogspot.com/ ]





Dia desses lembrei de uma fala do escritor Cristovão Tezza, segundo qual os classificados de jornais não trazem anúncios para contratações de romancistas, poetas, dramaturgos, poetas etc. Com a recente graduação em licenciatura - ou deformação na mesma (termo usado primeiramente pelo escritor Miguel Sanches Neto), sinto o incômodo de parafrasear a ideia do Tezza - os classificados de jornais não trazem anúncios de contratação de professores normalmente. Quem tem essa tarefa aqui no Paraná é um orgão da secretária de educação do estado.

Semanalmente muitos professores, não importa se é formado há cinco meses ou vinte anos, buscam vagas ofertadas pelas famosas contratações temporárias, algo que já faz parte de um folclore educacional por aqui.

A tormenta de primeiro ano de transição dos governos federais e estaduais é difícil para a sociedade em geral, não temos a ideia de como as coisas vão caminhar - tememos muito mais pelo descrédito herdado pelos anos a fio de uma política ausente, que pelo momento, parece. Agora, nestes ínicios letivos, a educação nos moldes das chamadas para contratações temporárias, fica perdida entre o encontro e desencontro do atual e do passado governo.

Diferentamente do posicionamento do escritor radicado em Curitiba há tantos anos e autor de romances que margeiam muito da minha identidade enquanto leitor, não encontrar nos classificados anúncios de vagas para professores com uma demanda que supra a real necessidade do ensino, é certamente uma cultura que delega a este genêro dentro do jornal uma forte aproximação com o mercado imobiliário, automobilístico e outros serviços não admitidos pelos seus usuários. Porém, por outro lado, é uma ausência significativa, que foge da prática autoral e talento necessários para os escritores, conforme brinca Tezza.

No périplo destes professores em busca de uma contratação temporária é uma constante. Dias atrás, estava presente em uma das centenas de seções públicas necessárias para conseguir uma vaga. Sozinho, prosseguia na leitura de Nação Crioula, romance epistolar do escritor moçambicano Agualusa - repentinamente deixar espacar a leitura e comecei prestar atenção na conversa de um grupo de professores.

Discursos exaltados sobre a realidade da educação brasileira, um deles defendia seu entusiasmo amparado nos seus vinte e poucos anos. Ao escutar as declarações, um professor mais velho soltou: Nacionalismo de Policarpo. Sem entender o sentido, o mais novo retrucou: Policarpo?

- Sim, estimado professor.
- Não sei quem é.
- Você é brasileiro?
- Claro.
- Certeza mesmo?
- Certeza absoluta.
- Não estudou literatura na escola?
- Estudei ...

Aos poucos a conversa entre eles perdeu força mediante aos números chamados lá no palco. Uns saiam contentes com as vagas, outros lamentavam em silêncio a eliminação momentânea e a certeza de precisar voltar para as agruras das próximas seções.

- Seremos a linha infinita, dizia uma professora em alto tom.

Na semana seguinte, quando preparava as pernas para ir para mais uma seção pública de chamada de professores temporários no estado, soube que não haveria, pois o auditório utilizado para as seções seria utilizado pela escola que é proprietária do espaço para um evento de folclore.

Ser professor é ter a certeza que a vida também é bela e muitas vezes folclórica.














sexta-feira, 6 de maio de 2011

Só as mães são felizes



Tropeçou entre sacolas com presentes promocionais do dia das mães, nada que fosse percebido pela multidão afoita em busca do promoção mais afável. Não tinha esse ideal mesmo, sua timidez era notável no círculo de conhecidos, ser visto quase cambaleando em plena metade da tarde de sexta-feira seria terrível. Olhar despretensioso para as vitrines e pronto, nosso herói estava pronto para continuar sua saga até o destino planejado.

A cada loja vista com seus cem vendedores e outros trinta clientes, não podia afirmar com exatidão, qual porcentagem ali seria consumidor. Entre essa incerteza, sabia que a sua era mera curiosidade. Não suportava o tom módico dos vendeores, que para cada frase, anunciam adjetivos para colorir ainda mais simples peças de roupas nas araras. Perguntado sobre a possibilidade de mudar de operadora de celular, pela vendedora com espírito mercantil, agradeceu, nem celular tinha mais. Ela insistia com os planos pós, pré, tudo virou absurdo para o herói. Quando já tinha passado da seção dos celulares, a mesma voz – senhor, parcelamos em seis vezes no cartão de crédito.

Incomodado pela presença estritamente comercial da semana, voltou pensar no tropeço despercebido entre duas sacolas de presentes dos dias das mães. Acostumado a passar pelo calçadão do centro da cidade, região de muitos comércios, algo comum em grande parte das cidades. Talvez, chame a atenção no citado calçadão sua linearidade, logo em uma cidade que dependendo do olhar, literalmente se está mais próximo do céu ou do inferno – paradoxos herdados dos poemas barrocos, não?

Passar pelo local diariamente na correria do caminho do trabalho é não verificar muitos dos personagens que ali estão todos os dias, não somente emoldurados em semanas de datas com caráter comercial. Mas o que ganha força no meio dos transeuntes é o serviço utilitário para os caminhantes pelo centro da cidade. Somados aos alto falantes das lojas mais populares com suas promoções do dia das mães, disputam o espaço sonoro os vendedores de bilhetes de jogos – conta um amigo que o jogo do bicho não pode ser anunciado aos quatro cantos, mas é o que mais oferece possibilidades de ganhos. Contrários as sonoridades dos comerciários, despercebidos no meio da multidão estão os trabalhadores de segmentos da sociedade que prestam muitos serviços não comentados por seus usuários.

Quantas pessoas você conhece que utiliza os serviços dos detetives particulares, tarologas ou as acompanhantes? Certamente elementos do imaginário popular ou ainda da prática social. Talvez, esses profissionais sejam a cara do que podemos chamar de discrição, algo que muitas vezes vai de encontro com os seus usuários.

No jogo de cena proporcionado pela cidade aquele tropeçar entre as sacolas de promoções de dia das mães, que misturadas aos santinhos desprezados pelos passantes do calçadão, ajudam emporcalhar a cidade e criar uma sensação de falta.

O movimento das filipetas das festas universitárias do fim de semana, dessa vez perderam o espaço para o domingo de dia das mães. Podem dizer que o dia da mãe ou do filho da mãe é todo dia – mas não adianta contradizer o comércio, afinal na boca de um vendedor estará presente “a moda” que você deve comprar.

Afinal, só as mães são felizes.




sexta-feira, 29 de abril de 2011

Filhos da mãe







Normalmente as pesquisas de opinião esbarram no contentamento ou descontentamento dos envolvidos, fato que normalmente ocorre em épocas de pleitos eleitorais. Nas épocas que sobram sem a disputa entre candidatos vinculados aos noticiários, acabamos por não perceber outras pesquisas. Falta de atenção nossa? Pode ser, afinal, quantas pessoas conhecemos que foram entrevistadas por estes institutos de pesquisa?
Particularmente nunca fui indagado sobre minha idade, time de preferência, escolaridade etc. Os mais céticos afirmam que jamais foram ou conheceram alguém entrevistado por algum instituto. Por vezes vemos responsáveis por estas pesquisas de opinião reclamando da população brasileira, que acaba prejudicando dados de IBGE. Ora, quem sabe um dos culpados desse silêncio sejam as próprias pesquisas – violência urbana é um dos itens? Se não, aqueles mapas dos homicídios, chamados de “manchas”, aparecem ilustrados em páginas de jornais e comentados em bancadas de telejornais, atingindo milhões de brasileiras em suas casas.
Em uma semana que foi divulgada uma pesquisa sobre “Um estado que lê?”, promovida por o maior jornal paranaense em parceria com outros institutos, ficamos com a mesma sensação dos brasileiros que não caminham até o portão de suas casas para responder sobre a renda da família.
Diante dos dados sobre a leitura no Paraná, infelizmente tenho que desmontar o argumento de Borges, certamente um dos maiores nomes da literatura mundial - “siempre imagine que el paraíso sería algun tipo de biblioteca”. Afinal, se o paraíso é algum tipo de biblioteca, míseros 7% leem em bibliotecas, apesar que o triplo disso, consultam obras em bibliotecas. Talvez o ficcionista argentino mudasse sua teria após ler esta pesquisa, ou ainda, chamasse o paraíso de casa – 81% viram páginas em seus domicílios.
Ainda envolvido pelos números, quando na verdade, muitas vezes somos vistos apenas como números, basta pensar no número do título de eleitor, cpf, rg, data de nascimento, principalmente quando descobrimos que não temos idade para tomar vacina contra a gripe – isso é terrível para épocas de vésperas de inverno. Enfim, os dados ainda chamam atenção para o prazer ser superior sobre a falta de paciência, praticamente o dobro é a vantagem do prazer – o leitor é sempre sincero. E aos que declararam não ter tempo, mau sabem que dentro da leitura o tempo é apenas uma eternidade folheada.
Quanto a porcentagem de números lidos pelos paranaenses, acredito que a média apesar de ainda não passar perto da desejada por professores, escritores e donos de livrarias, pode ser chamada de interessante – 8,53% por ano.
Quem sabe uma apuração maior sobre o desinteresse nas bibliotecas e a aquisição de livros seja muito mais que a breve explanação que escrevo aqui – bibliotecas municipais jogadas para mínimos interesses em aquisições de obras, além de espaços cercados de problemas sonoros. Já no campo do mercado de livrarias o preço cobrado por um livro é alto demais para a realidade de mais de 60% da população brasileira.
Ainda é preciso dizer que mais da metade dos leitores paranaenses não conhecem nenhum autor paranaense, se olharmos para os números (64%), nos perguntamos o que os entrevistados leem? Cada um com suas preferências, mas temos poetas, romancistas, cronistas, dramaturgos de renome nacional filhos do estado ou domiciliados há muitos anos por aqui. Desconfio que muitos leitores não gostam de ler as orelhas.
Termino dizendo que ser filho da mãe é ser leitor no Paraná.

sábado, 23 de abril de 2011

O conselho de Nelson



Sou um aficcionado por chocolates – talvez seja um dos meus maiores pecados. Afinal, como afirmou Nelson Rodrigues em entrevista ao Otto Lara Resende: jovens, envelheçam. Assim, não existe roteiro algum que desvie a velhice que perseguimos. Tinhosamente ela chega sem avisar, passa por nós, muitas vezes é pelo espelho que descobrimos essa hóspede – que não faz check-in.

Nesta época do ano em que os chocolates estão dominando nossas cabeças, basta uma entrada em qualquer corredor de supermercado e estamos no paraíso criado na literatura por Roald Dahl.

O leitor pode se perguntar, até agora o espaço é sobre velhice ou chocolate – talvez, eu possa responder, sem a mínima pretensão de comprovar os fatos, mas muito mais baseado em pesquisas que dizem sobre o aumento de diabetes em chocólatras. Dessa vez o assunto não vai ficar no campo do envelhecimento no sentido de doenças.

Em um final de semana de Páscoa, digamos que o momento-chave ocorreu durante a semana, quando decidi juntamente com a minha esposa a não compra de chocolates para presentear outros, nem a nós. Não foi um ato de revolta contra o capitalismo da época, transformando culturalmente a sociedade, adoçando bocas com chocolates. Muito menos contra a sistematização dos supermercados e suas decorações em massa – redundâncias da publicidade pascoalina.

Talvez, tenhamos entrado no campo do que o Nelson Rodrigues disse, sem saber direito, atribuímos essa ação pela idade que nos estaciona e multa.

Não foi preciso vestir a camisa do personagem Charlie, criado por Dahl em A Fantástica Fábrica de Chocolates, por mais que os preços dos chocolates estejam acima da tabela dos gastos de milhões de brasileiros. Muito menos sonhar com as produções de Willy Wonka.

Que venha o sábado de malhação do Judas.

sábado, 26 de março de 2011

O lado esquerdo não é apenas coração


créditos ao site oficial do Clube Atllético Paranaense - http://www.atleticoparanaense.com/


Aprendi na escola que amar é verbo, paixão, adjetivo, tudo definido pela ordem gramatical do dia-a-dia. Nas idas da vida, sei que há muito tempo, amor e paixão, são companheiros e estão estampadas na camisa atleticana. Aliás, grata coincidência, Atlético Paranaense também tem nas iniciais as letras A e P, as mesmas aprendidas na escola, para conjugar e atribuir conceitos sutis.

Parafraseando Drummond: quando cheguei ao mundo, meu pai me disse: vai, Bruno! ser atleticano para toda a vida. Pequenino, vestindo uma jogadeira do timaço de 83, ao lado da minha saudosa bisavó, eu deixava meus esguios e brancos braços serem ocupado pelo tecido rubro-negro. Aliás, o amor pelo Atlético foi passado pelo meu velho pai, que sempre buscou argumentos para não deixar o time ser desqualificado nos adjetivos dos certames, mesmo sabendo que o futebol tem seus momentos de extrema sofreguidão.

Assim, cresci menino, vendo e vivendo o Atlético, ostentando a aura de ser atleticano, e identificando-se com o tema de uma das bandeiras, levada ao antiquado Pinheirão – Atlético além da morte. Isso é meu lema, não importando o que esteja do outro lado, o Atlético será sempre coração, memória e existência.

Hoje a escola não é mais apenas o lugar onde aprende, sim, no qual também ensino. Vejo milhares de alunos com seus sorrisos e dilemas, muitos cortejando as rodadas, outros com a velha e autêntica graça, meu time é melhor que o teu.

Mas, como o futebol é uma paixão desmedida, não existe nada melhor que mostrar para todos, ser atleticano é acreditar que diferenças, estas tão inerentes à minha pessoa. Esquerda de nascença, sempre tive o coração mais perto das descidas do Carlinhos Sabiá, e inclusive senti uma amargura adulta, naquele coração infantil, ao ver as lágrimas do ponta ao perder o pênalti contra o extinto Pinheiros. Vai ver que por ser canhoto, sempre preferi os gols marcados no gol de entrada da Baixada – por falar nisso, ali vi o Gustavo marcar o gol do título de 2000 e o Alex Mineiro percorrer grande parte da estrada do título brasileiro de 2001. Também não posso esquecer do penal cobrado nas alturas pelo Gabiru na desclassificação da libertadores em 2000.

Cada torcedor é símbolo de um sentimento, alguns tem o amor mais próximo, eu posso dizer que realmente tenho o distintivo do Atlético sempre sobre o coração. Vai ver, os anjos assim quiseram: vai, Bruno! ser atleticano na vida.

sábado, 19 de março de 2011

Zebra



Anteriormente os tempos eram outros, convenhamos, bem diferentes, principalmente nas lotéricas. Talvez uma das maiores transformações na última década foi o cenário de uma casa de apostas, deixando de lado esse posicionamento de jogos cifrários para o caos utilitário do cotidiano.

De cosmopolita em atrair apostadores vislumbrando a conquista dos prêmios milionários e outros, dispostos em apostar no jogo do bicho. Nesses idos as escolhas em leão, vaca, porco, galinha e etc eram normais no Brasil, ao lado da loteria esportiva, que tinha em sua zebrinha simpática a vitória contra a coluna do meio.

O derramamento moderno provocou nas casas de apostas o aspecto das portas do inferno. Esta metáfora é o que sobrou do caos urbano da vida nos centros urbanos.

Conta um senhor aposentado que sua sogra sempre dizia - lotéricas são o caminho para o inferno. Os familiares de outros estados sentem o cheiro da aposta ganha, vizinhos começam a sorrir, exibindo a falta dos molares, alguns, apenas pedem um troquinho para a troca da caixa da água. Sorrindo aos presentes em fila entre correntes amarelas de plástico ele contava as peripécias da finada mãe da sua esposa. Aos passos do aumento das pessoas, tínhamos ali uma extensão de uma sala de estar, mas dessa vez os estranhos pareciam familiares, tamanha era a afinidade em dividir os assuntos.

Não adianta dizer que os filhos de Deus não gostam de jogatina, mesmo quando ela é validada pelo próprio governo, afinal, você conhece algum acertador dos seis números da mega-sena? - perguntava ele para a menina de uns doze anos na fila com o boleto do serviço de internet para pagar. No seu silêncio risório ela não respondia, certamente fora educada para não conversar com estranhos, por mais que a sala de estar tivesse até cafezinho para os clientes. Clientes? Estes são minoria, um único caixa é responsável pelos jogos, outro, para idosos e gestantes, mais dois fecham a matemática do atendimento - estes, podemos dizer é o dantesco para os pagamentos.

Na família nem as rinhas de galo temos mais, contava para o colega dos quarenta minutos de fila. Pela outra ponta uma senhora reclamava da demora. A menina que precisava desviar o olhar dos caixas para não responder o homem com discurso religioso apegado as apostas. Já não adiantava o que os outros pensavam - vocês não sabem atender, não se pode atender tratar bem quem nos trata tão mal, criticava uma cliente.

Como estava no limite do dia para o pagamento da fatura do cartão de crédito e a fila com todos os seus personagens não findava, liguei para minha esposa.

- Quanto é o juro? - perguntei.

- Cartão de crédito é lá no alto das favas, mas ele não vence hoje.

A vergonha de estar a quase uma hora na fila da lotérica enganado era o pior. Disse para a minha esposa que foi uma dúvida que surgiu após ler uma notícia estampada na capa de um jornal na revistaria. Ao vivo para evitar o desperdício das horas, pedi uma raspinha, com sorte ou sem ela, ali poderia estar uma quirerinha extra para o mês.







quinta-feira, 10 de março de 2011

O facebook de cada um de nós


Em um final de feriado distante da realidade escrevo esta crônica. Sanções carnavalescas a parte ou abre-alas apartidários, feliz pela curitibanidade que está impressa na minha identidade, pelo menos nos conceitos do carnaval – no caso curitibano, da ausência dele.

Já na quarta-feira de cinzas que a madrugada revela como autêntica, céu encoberto, chuviscos, todos o prognóstico de um corriqueiro dia cinza em Curitiba. Na imensidão do silêncio vasculho os timbres do teclado, que por certo, não alteram a tranqüilidade da madrugada, pelo menos para os cachorros dos vizinhos, ou ainda, para os que começam nos seus trabalhos ortodoxos a semana pela metade.

A reunião familiar em outros carnavais são as lembranças da festa popular mais brasileira do mundo. Sem saber sambar, nem mesmo o entendimento das notas para as comissões de frente, bateria e samba-enredo etc, tínhamos. Nesta pausa para o carnaval o verso buarquiano – “estou me guardando para quando o carnaval chegar” era nossa porta-bandeira. Os embates com espumas no litoral, as bebedeiras lisérgicas pela madrugada com camisetas pretas de bandas de rock, as filas imensas para poder conseguir comprar pão escutando os trio-elétricos desafinando pela avenida em frente, lembranças suadas de carnavais e heróis. Aos modos do cancioneiro popular, guardamos as violas, separamos as duplas, passamos das comunidades reais para as virtuais.

Após assistir o ótimo filme A Rede Social, posso dizer que a ficção é realmente pior que a realidade. No caso da criação do facebook, uma rede social, que este que vos escreve é adepto, não falta contatos, fotos, vídeos, afinal o mundo está todo ali, virtualmente falando. Longe de querer estabelecer um discurso psicológico, mas todos estes que estão em nossas redes sociais sabem quem somos? Ou são parte do que Mark Zuckerberg criou após uma brincadeira pós-ilusão adolescente e ali estão apenas em números.

Sem esperar por respostas que a tecnologia graças aos serviços da internet proporciona, amigos do perfil ou seguidores do twitter, sigo neste final de feriado, que quase magro, cambaleia pelo decreto da presença de carnavais atrasando o começo do não tão novo ano.

Que os ensejos incas não estejam certos, assim muitas serpentinas e marchinhas podem aparecer pela rua XV de cada um de nós, mesmo que segundos depois esteja uma foto no álbum do facebook.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Scliar


Chovia. Uma fina chuva pairava sobre Cascavel naquele outubro de 2009. Com o horário de verão vigorando, a noite entardecia sem o auxilio dos relógios.

O dia tivera começado após uma viagem desgastante durante a madrugada – pela manhã já participava de uma conferência sobre a literatura na América Latina. Esse primeiro evento do dia me obriga a mencionar um bate boca com aspas entre um professor e um jornalista pela influência do gaucho na literatura latina. De um lado a defesa é que ela surgiu com Martín Fierro, já o outro defendia a influência dos romances do Érico Veríssimo para nossa literatura. Acompanhando os comentários mais exaltados alguns bocejavam no pequeno auditório lotado. Outros programavam a tarde, que seria de descanso ou apresentações.

No intervalo do almoço consegui um tempo para subir ao quarto do hotel e tomar um banho, que me libertava da madrugada no ônibus e da acalorada discussão matinal na Unioeste. Ao sair do restaurante na Avenida Brasil encontrei dois professores que acabavam de chegar da cidade princesina, um deles, Miguel Sanches Neto falaria sobre a literatura paranaense na manhã seguinte. Fiz a indicação do restaurante para eles, confesso que nunca perguntei se gostaram ou não. Retornei para mais uma tarde no congresso, dessa vez assisti algumas comunicações e conversei muito com professores amigos.

A vida em eventos da área de letras é movimentada normalmente pelos nomes que participam isso ocorre em outras áreas, mas nas letras, comumente encontramos mesas redondas com teóricos da literatura, lingüistas e escritores de literatura, que são parte do nosso dia a dia com a leitura exigida na universidade e na descompromissada também.

A conferência de abertura ocorreu na noite do primeiro dia de atividades com os escritores Moacyr Scliar e Luiz Ruffato. O tema foi: A literatura na América Latina. Primeiramente Rufatto fez uma bela fala amparada nos conceitos da história literária. Porém, o auditório lotado ansioso aguardava a fala do Scliar. Neste momento surgiu uma dúvida: será que o romancista, contista, cronista e imortal da Academia Brasileira de Letras faria uma fala pautada em conceitos literários. A resposta não demorou mais de vinte segundos, sorrindo ao segurar o microfone, abriu um copo de água e rindo disse boa noite. Depois disso, boas histórias foram contadas, inclusive passagens pelo exercício do começo da vida de médico e a censura daqueles idos no Brasil. Bonachão, escorregando pela cadeira o autor falou da sua relação com Gabriel Garcia Marquez, os cafés com o Érico Verissimo e as piadas com Mario Quintana. Ali, tive a certeza da quebra de protocolo, porém com as ótimas histórias relatadas pelo Scliar, todos ficamos em dúvida sobre qual era mesmo o tema da mesa.

Na madrugada em que soube da morte do escritor, relembrei que por um acaso comandado por quem gerenciava a viagem para Cascavel, quando dispensou o ônibus da universidade, alegando que “ninguém” teria interesse em participar da conferência de abertura, quase fiquei de fora deste encontro com o Scliar.

Hoje sei que esse foi o primeiro e único encontro com o autor. Muitos outros serão pelos romances, contos e crônicas nas leituras e diversas releituras.